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Sinônimo de amor

 

Desde sempre, o Romantismo é uma coisa muito importante na cultura brasileira. Nosso maior poeta de todos sempre foi Antônio Frederico de Castro Alves, nascido em 1847, de origem cigana. Além de ser republicano e abolicionista, o “Poeta dos Escravos” escreveu os versos mais lindos sobre seus amores e as mulheres impossíveis com as quais se relacionou (ou se deu mal!).

Também chamado de “Príncipe dos Poetas”, influenciou de algum modo o tom de toda a literatura brasileira que viria depois dele. Castro Alves morreu de tuberculose, em 1871, aos 24 anos de idade. Na Academia Brasileira de Letras (ABL), ele é o patrono da cadeira número 7, o mesmo número que consagrou Garrincha, o maior fenômeno barroco na cultura brasileira. Nela sentou-se também Nelson Pereira dos Santos, o primeiro cineasta eleito para a Academia, em 2006. Segundo Euclides da Cunha, que sucedeu o poeta, Castro Alves havia inventado a poesia brasileira e construído sua natureza original nos ensinando a como manejar a língua, tornando-a objeto de todos os mágicos meios de expressão e comunicação.

Castro Alves não foi o único romântico da literatura brasileira. O país já tinha gerado ou ainda iria gerar gente como Gonçalves de Magalhães, Alvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Fagundes Varela.

Ele foi um monstro que, embora tenha vivido por tão pouco tempo, marcou fundo os que vieram depois.

Sua presença na lírica do país segue presente em tudo o que se escreve ou se canta por aqui sobre o amor. O Brasil é hoje uma nação amorosa e romântica, reconhecida como tal em todo o mundo. Em seu recente discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente Lula foi calorosamente aplaudido pela unanimidade dos representantes de nações de todos os continentes, quando fez referência a esse caráter do país.

A música popular brasileira, a partir do início do século XX, se tornaria mais romântica com a introdução do que chamamos de samba-canção, o samba com uma levada de sentimentos que marcaria compositores como o gaúcho Lupicínio Rodrigues, um de seus inventores. Em uma de suas canções, em que um amigo o sugere fugir com a mulher evidentemente amada, ele responde: “Palavra,/ quase aceitei o conselho/ o mundo, esse grande espelho,/ é que me fez pensar assim:/ ela nasceu com o destino da lua,/ para os que vivem na rua,/ não há de ser só pra mim”.

Os sambistas das escolas cariocas também cultivaram a tensão dessa nova música, com exemplos como o de Cartola (“Bate outra vez de esperança o meu coração”, de 1976) ou de Nelson Cavaquinho (“O sol há de brilhar mais uma vez”, de 1973). Não tenho acompanhado os capítulos de “Terra e paixão”, a novela da televisão. Mas ouço com alguma constância seu tema de abertura que, depois de uma declaração de amor sofrida e muito louca, acaba dizendo que “sinônimo de amor é amar”. Imaginei que escreveria outra coisa para a novela estrelada por Gloria Pires, Tony Ramos e Cauã Reymond, gente que sempre admirei tanto. Mas era isso mesmo. Só me restava supor que o autor da música havia sido finalmente autorizado a ler o texto dramático da novela e compreendido que aquela era uma oportunidade para falar do caráter frouxo de seus personagens. E no último verso da canção, repetida a cada capítulo: “Sinônimo de amor é amar”.

Em seu repouso eterno, o “Príncipe dos Poetas” e seu pessoal não devem ter ficado muito satisfeitos com a falta de valor literário ou lírico, a pobre reiteração.

O Globo, 24/09/2023