Céu plúmbeo, o centro do Rio sombrio e úmido neste sábado, a Academia Brasileira de Letras impávida. Muitas mortes, poetas, pensadores e prosadores voando. Resta o livro nas mãos. Ao reler Cruz e Sousa e pensar em Mallarmé e Baudelaire, desponta inevitável a figura do palhaço, esse bufão tão presente desde o Renascimento que ora exige risos hiperbólicos, ora cobre de melancolia a plateia hipnotizada.
As quedas do nosso simbolista maior das sulistas terras açorianas relembram a fragilidade da condição humana, a derrota, a impotência, o palhaço esticado no picadeiro após espalhafatoso passo mal traçado. O rosto enfiado na serragem molhada com cheiro de elefante é o seu fado.
ACROBATA DA DOR (Cruz e Sousa)
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! reteza os músculos, reteza
Nessas macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
Como o poeta sem lar, abandonado, achincalhado por seu público, sem carinho, sem calor, o excluído, o desmancha-prazeres. Mas que revela ao mundo a imagem de quem o olha e lê: palhaço somos nós!
O palhaço zombado e apedrejado é o avesso do Cristo ultrajado, segundo, se bem me lembro, uma frase de Starobinski. À seriedade de nossas certezas, o palhaço vibra e desfralda o escárnio, a derrota e a impotência. Nossa dignidade passa muito por brandir esse dístico. Um raiozinho de sol acaricia o Rio de Janeiro e a ABL.