O poeta negro Cruz e Sousa, um dos principais nomes do simbolismo brasileiro, encerra o ciclo “Cadeira 41” na próxima terça-feira, dia 29, às 16h, no Teatro R. Magalhães Jr. Catarinense como Cruz e Sousa, o acadêmico Godofredo de Oliveira Neto, autor de uma das biografias mais importantes do poeta, ”Cruz e Sousa, O Poeta Alforriado”, será o palestrante, ao lado de Ana Maria Machado, coordenadora do ciclo.
Godofredo revela no livro traços fortíssimos da personalidade e do sofrimento de Cruz e Sousa. A luta por um espaço profissional, sempre fadada ao fracasso. A tristeza pela morte da mãe. A aflição com a doença psíquica de sua esposa, também negra. No vasto cenário preconceituoso do século XIX, o autor, que desde sua infância catarinense ouvia ecos do poeta do desterro, desenha de forma vigorosa momentos decisivos da vida de Cruz e Sousa e as fragilidades humanas que por vezes também o impediram de caminhar. Godofredo liberta o poeta para sempre da acusação de ter-se omitido das questões negras da época. Ao final, sentimos com toda força a liberdade do poeta alforriado; que foi considerado um dos três poetas simbolistas mais importantes do mundo, sendo chamado de Dante Negro – também conhecido como Cisne Negro.
Em Florianópolis, Cruz e Sousa é nome de palácio, museu, ruas, clubes de futebol, associações negras e galerias de arte. Seu corpe está no Palácio Cruz e Souza, onde existe um memorial dedicado a ele.
Cruz e Sousa publicou seus dois primeiros livros Missal" e "Broquéis" em 1893. Algumas das características da sua obra são a ocorrência de sinestesia, misticismo, rigor formal, pessimismo e maiúscula alegorizante. Em sua obra, é possível notar também a angústia, a presença da cor branca (como símbolo de pureza), além da temática da pobreza, do preconceito racial e da morte.
A entrada é gratuita e as inscrições podem ser feitas pelo link: https://www.even3.com.br/godofredo-neto-fala-sobre-cruz-e-sousa .Todas as palestras do ciclo contam com tradução em libras.
Cruz e Sousa em preto e branco
Em cima de esterco e de alfafa seca. Um caixão comprido mal amarrado e balançando num vagão vazio destinado ao transporte de animais. Ali, dentro do singelo esquife, vai o cadáver de Cruz e Sousa, cuidadosamente acondicionado por mãos piedosas na madeira crua. Terminava assim – um corpo despachado para o Rio de Janeiro num trem de carga – a vida de um dosmaiores poetas brasileiros. Era março, dia 19, 1898. Cruz e Sousa tinha 36 anos. O filho de escravizados (a mãe já estava liberta) encerra a sua vida carnal, pobre e miserável, e lega à nação brasileira uma poesia sofisticada e envolvente que o alçará ao panteão da arte universal. O trem que transportava o corpo de Cruz e So usa vinha de Sítio, Minas Gerais, pequena cidade recomendada, na época, para a cura de doenças pulmonares, mal de que sofria Cruz e Sousa. O sofrimento era intenso. Gavita, a esposa, negra como o poeta, grávida então do quarto filho, relataria, mais tarde, que o marido, em vários momentos, urrava de dor e tinha alucinações. Olhava para os hóspedes da casa de repouso e lançava-lhes versos dramáticos, poemas inteiros tirados dos seus livros, versos pungentes , tristes, pessimistas. O poeta agarrava-se à arte e à esposa dedicada. O fim iminente embalava versos que o arfar sofrido – cada aspiração arranhava as feridas abertas dentro do peito- declamava. A morte rondava, inexorável. A pele negra do poeta esmaecera, o sorriso franco que Gavita tinha conhecido se transformara em rictos de dor e de ansiedade. Coincidentemente, o escritor catarinense morre dez anos ap ós a abolição da escravidão. Parece que ele festejou a data oficial da libertação dos escravizados. A tuberculose o alforriou ,dez anos depois, da dor de ser um trovador pobre e negro em um país largamente intolerante e preconceituoso. Cruz e Sousa lutou. Lutou com garra e, entre choros e depressões, jamais perdeu de vista o compromisso com a arte. E esta é imortal. Os versos do poeta Simbolista maior, entre os três mais importantes do mundo, com Mallarmé e Stefan Georg , decidirão os passos da poesia brasileira do século XX e explicitarão, de forma dramática, os horrores da escravidão. Seu poema “ Consciência tranquila” é o texto mais violento e denunciador da escravidão de toda a história da literatura brasileira. (OLIVEIRA NETO, Godofredo de. “Cruz e Sousa, o poeta alforriado”. Rio de Janeiro: Garamond, 2010).
CRUZ E SOUSA
Cruz e Sousa nasceu em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. Filho de escravos alforriados, teve acesso à educação formal graças ao apadrinhamento do ex-“dono” de sua mãe, Marechal Guilherme Xavier. Estudou em um dos melhores colégios da cidade e era considerado um poequeno gênio.
Em Desterro, era conhecido por declamar poemas nas praças e eventos sociais. Também tocava piano. Saiu da cidade a bordo da Companhia Julieta de Santos, onde trabalhou como ponto – a pessoa que sopra o texto para os atores.
Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde fundou jornais, escreveu poesias e dedicou-se à causa abolicionista.
Durante toda a sua vida, sofreu com o preconceito racial, mas lutou contra a escravidão e o racismo. Para sobreviver, trabalhou na Companhia Dramática Julieta dos Santos e, mais tarde, na Estrada de Ferro Central do Brasil, quando contraiu tuberculose, que o levou à morte em 19 de março de 1898.
GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO
Godofredo de Oliveira Neto nasceu no dia 22 de maio de 1951 em Blumenau, Santa Catarina. Graduou-se em Letras pela Universidade de Paris III, França (1976), onde também realizou seu mestrado em Letras (1979). É Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (1989). Possui graduação em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Paris II, na França. É pós-Doutor em pesquisa na Georgetown University, Estados Unidos (2012). Atualmente é professor do Departamento de Letras Vernáculas, da UFRJ, e pesquisador na área de Literatura Brasileira com foco no Modernismo Brasileiro e na Literatura Contemporânea.
É autor de 21 livros e escreve, ainda, artigos para jornais e periódicos do Brasil. Romancista e contista, chegou a ser premiado com uma estatueta no Prêmio Jabuti, em 2006. Seus romances “Menino oculto” e “Amores Exilados” foram traduzidos para o francês e foram lançados no 35° Salão do livro de Paris-2015. O seu livro “Ana e a margem do rio” foi publicado na Bulgária e recebeu no Brasil o selo de “Altamente Recomendável”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
Foi professor de Literatura e Cultura Brasileiras na Universidade de Paris III - Sorbonne-Nouvelle (1982-1984) e professor-visitante de Literatura Brasileira na Universidade de Veneza - Ca’ Foscari, em 2018. Foi presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional de Língua Portuguesa da CPLP com sede na cidade da Praia, Cabo Verde (2003-2006). É Pesquisador Associado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea / PACC - UFRJ e integra o comitê de pesquisadores da Collection Archives/UNESCO. Foi pesquisador do Projeto Internacional IC4 - Línguas Românicas (1993 a 2000), com sede na Universidade de Aarthus, Dinamarca. É pesquisador associado do Centro de Pesquisas sobre países lusófonos (CREPAL), da Université Sorbonne Paris III desde 2017.
O CICLO
A Cadeira 41 teve cinco conferências. A primeira foi sobre Josué de Castro e “Geografia da Fome”, dia 1 de Agosto, com o escritor Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado. No dia 8, Rubem Fonseca, dos maiores romancistas brasileiros de todos os tempos, foi o tema abordado pelo escritor Marçal Aquino. Cecilia Meirelles foi a autora escolhida para o debate da terceira conferência do ciclo, no dia 15. O escritor e doutor em letras pela Unicamp Miguel Sanches Neto se debruçou na obra da poetisa. No dia 22 de agosto, o Acadêmico Marco Lucchesi falou da obra de Nise da Silveira, reconhecida mundialmente por sua contribuição à psiquiatria.
24/08/2023