A novidade de mais um apagão de alcance nacional é a politização do caso. Politização em sentido estrito, aproveitamento do fato para falar contra a privatização da Eletrobras ou em hipótese de sabotagem. Nos eventos anteriores, os governos do momento sofreram críticas e certamente ficaram fragilizados politicamente.
Mesmo quando, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, para não haver apagão, montou-se uma força-tarefa para organizar um racionamento do uso da energia, com estímulos à redução de consumo, o governo sofreu muito desgaste. Fala-se até hoje no “apagão” que não aconteceu, por falta de água nos reservatórios das hidrelétricas.
No final do governo Bolsonaro, os reservatórios das hidrelétricas ficaram praticamente vazios devido à grande seca. Houve o temor de que um apagão pudesse paralisar a economia do país, colocando por terra o desejo de Bolsonaro de se reeleger. Passou-se por essa ameaça, e hoje os reservatórios estão mais cheios do que nunca. Mas, desta vez, acusa-se a privatização da Eletrobras, sugere-se uma possibilidade de sabotagem, sem que haja indício suficiente para tal.
A privatização da Eletrobras, que o governo Lula tentou sem sucesso reverter, foi acusada pelos petistas, a começar pela primeira-dama Janja da Silva, de responsável pelo maior apagão já ocorrido no país desde 2009. Janja, que já trabalhou em Itaipu, deu início à onda de críticas num tuíte atribuindo indiretamente o problema do apagão à privatização da Eletrobras — e foi seguida por diversos petistas. É uma maneira de tentar novamente reverter o que está feito — e em que o Congresso já disse que não voltará atrás.
É um ponto delicado na relação atual, conturbada, entre a Câmara e o Executivo. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, irritou-se com a tentativa do governo de invalidar a privatização, e com razão. Hoje, às voltas com uma crise de relacionamento com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acusou a Câmara de ter muito poder, mexer nesse vespeiro não é aconselhável. Está em jogo a aprovação do arcabouço fiscal.
Quanto ao apagão, não há nada que mostre que a privatização foi a causa, mesmo porque já tivemos outros apagões no país inteiro. Só existiria uma maneira de a Eletrobras ser responsabilizada, e não há nada que a comprove até o momento: os controladores privados não terem feito os investimentos necessários. Mas a privatização aconteceu há menos de um ano, e não é possível cobrar resultado imediato.
Mais grave foi a insinuação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que soltou a suspeita de ter havido sabotagem e pediu investigação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Também o ministro da Justiça, Flávio Dino, foi nessa direção. Se aconteceu, é gravíssimo. O pior é que não é nem descabido imaginar que possa ter acontecido coisa do tipo, pois não tentaram sabotar redes de transmissão e o aeroporto de Brasília com uma bomba?
Mas é meio precipitado o governo sair com isso. O chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa, tentou recolocar as coisas no lugar, afirmando que esperaria a resposta técnica para depois investigar outras possibilidades. Até agora, mais de 48 horas depois, não houve essa explicação técnica. Nos outros apagões, nunca se pensou em sabotagem. Discutiram-se as falhas de sistema, a necessidade das térmicas, incluídas no projeto nacional de energia com as fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar. Como temos histórico de apagões, é improvável que seja sabotagem. Mas é preciso surgir uma explicação técnica plausível, para que não se dê margem a teorias da conspiração também plausíveis nestes tempos em que vivemos.