O debate entre o economista Armínio Fraga e o médico Drauzio Varella no ciclo “Ponto e Contraponto – discursos em tensão” não tinha a intenção de resolver os problemas de financiamento da saúde no Brasil, mas teve o mérito de identificá-los e indicar alguns caminhos. Com a coordenação do Acadêmico Edmar Bacha, os dois discutiram e mostraram possíveis saídas para resolver a questão. Drauzio Varella falou de suas experiências no serviço público e no sistema prisional, mostrou pesquisas e estatísticas que o levaram a concluir que a atenção primária é um dos caminhos a seguir. “Temos que investir na atenção primária à saúde. Tratar da pessoa antes dela ficar doente. Quando ela funciona bem, reduz as internações hospitalares em 90%.
A íntegra do debate pode ser vista no canal da ABL no Youtube.
O médico citou o programa Estratégia Saúde na família, que começou no Ceara, atendendo famílias de porta em porta, foi expandindo e virou o maior programa de saúde pública do ocidente. É um programa barato, que conta com agentes de saúde, enfermeiras e médicos. ”Hoje temos mais agentes de saúde no sistema do que soldados no Exército. Eles atendem a 66% das casas no Brasil. Toda a população pobre que depende do SUS pode ter esse atendimento. É um programa importante, que precisa de mais investimento."
Na visão de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde e fundador do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, o Brasil precisa cuidar melhor das prioridades. “O país deveria ter um orçamento compatível com seu comando constitucional e poderia se beneficiar muito mais de gestão e de tecnologia. Quando se olha a discussão do orçamento federal em Brasília, não fica claro que a prioridade está presente. Porque se gasta tão pouco com a saúde? Falta prioridade. Precisa ser exposto e discutido."
Falta de recursos e má gestão são problemas a serem enfrentados, disse o economista. E lembrou que, na saúde pública, alguns temas importantes começam a ser percebidos na importância que merecem, que vão além da vida hospitalar médica e da atenção básica: meio ambiente, saneamento, epidemias, vacinação. E elementos de natureza Comportamental, a partir dos quais é possível fazer algum progresso. “No tabagismo, temos as melhores estatísticas entre os grandes países, é um belo resultado de política pública. A obesidade, menos debatida, mas muito importante, é um problema colossal para a qualidade de vida, mas também pelo peso que traz para o sistema. Sedentarismo, que precisa ser carimbado na cabeça, drogas e álcool são problemas a serem discutidos. Muita coisa dá para fazer em conjunto saúde x educação que teria impacto relevante na vida.
A criação do SUS foi uma revolução na história da saúde pública do Brasil, afirmou Drauzio, para quem não vai haver outra que atinja com tanta profundidade o sistema de saúde como o SUS. O problema é que ele foi recebendo cada vez menos recursos, foi ficando segmentado e passou a conviver com a saúde suplementar – os planos de saúde – e com os gastos privados. O SUS virou um subsistema.
Segundo ele, o Brasil investe em saúde 8,9% do PIB, não é tão pouco. “Mas quando olhamos de onde vem o dinheiro, ele alerta, 3,8% vem do sistema público, e 5,1%, do sistema privado. Não é pouco, mas a porcentagem do sistema público é pequena. Para termos um sistema universalizado, os técnicos dizem que 70% têm que vir do sistema público e só estamos entregando 42%. Há uma distância grande até chegarmos a um SUS universalizado.
Drauzio fez um relato muito difícil da saúde no Brasil, onde não há saúde. Segundo ele, não é com dinheiro que se resolve o problema da saúde – “evidente que sem dinheiro não se faz nada”. E citou o exemplo dos EUA, que gasta uma fortuna e oferece atendimento muito ruim. Pagar plano de saúde não alivia o sistema público.
"O país gasta mal e tem dificuldade de organizar. Fica na dependência da saúde suplementar que a longo prazo não será possível manter. Vai quebrar. As operadoras tentam baratear o atendimento e os direitos vão diminuindo; a saúde passa a ser comandada pelos gastos, infelizmente. O SUS gasta per capita R$ 1200,00 por ano. Irrisório – R$ 110,00 por mês. A Saúde Suplementar gasta R$ 3200,00 por ano per capita, duas vezes e meio a mais. “As operadoras de saúde surgiram no Brasil nos anos 50, e começaram a se proliferar. Nadavam em dinheiro por causa da inflação, não se preocupavam com fraudes, nem com a qualidade do atendimento, tudo ficava por conta da inflação. E quando ela começou a baixar, muitas operadoras fecharam, porque passaram a necessitar de gestão competente. Houve também uma mudança do padrão demográfico, que mudou o padrão epidemiológico, e foi brutal."
Quando o SUS surgiu, a população era mais jovem, e ele foi preparado para atender a doenças agudas. Nossas endemias eram outras: verminoses, malária, doença de chagas, entre outras. A população envelheceu, a situação mudou. Hoje, de cada três, uma vai morrer de doença cardiovascular. A segunda causa de morte é câncer. São doenças que precisam ser controladas e necessitam contato com os sistema de saúde por muitos anos. As doenças crônicas precisam de acompanhamento longo e os custos crescem num ritmo impossível de o sistema suportar.
"Nosso sistema não está preparado para isso. Na Saúde Suplementar, os custos aumentam 16% ao ano e as receitas, 14%. É prejuízo a cada ano e não há possibilidade de everter. O SUS não tem mecanismos para reverter o problema. A Saúde Suplementar teria, mas não tem expertise. Da arrecadação do sistema, 14% são fraudes e 40% são exames desnecessários. Criamos uma cultura de desperdício brutal. Já vi uma ginecologista pedir 85 exames – e todos estavam normais. A cultura do especialista também leva a um aumento absurdo dos gastos. O SUS tem tudo o que precisa para funcionar, mas precisa de uma política de saúde pública. Tivermos 13 ministros da saúde em 10 anos – todos analfabetos em saúde, apenas políticos profissionais. Nenhum deles era sanitarista. Precisa ser pessoa informada em termos médicos.”
22/06/2023