Ontem o Papa Francisco divulgou a carta apostólica Grandeza e Miséria do Homem, louvando aquele que fez os mais violentos ataques contra a Companhia de Jesus, a que ele pertence: Blaise Pascal. O motivo é a comemoração dos quatrocentos anos de nascimento desse gênio precoce que marcou profundamente a cultura francesa — a cultura universal.
Sua história parece ficção. Filho de um funcionário público, órfão da mãe aos três anos, foi um menino doente, que estudou em casa. O pai, temeroso com a curiosidade do filho sobre a natureza das coisas, resolveu que ele devia estudar apenas latim, grego, francês e história. Um dia, ao chegar em casa, flagrou o menino — tinha doze anos — demonstrando que a soma dos ângulos de um triângulo é igual à de dois ângulos retos, a 32ª proposição de Euclides. Descobriu então que ele havia desenvolvido um tratado dos sons. Surgia o que Chateaubriand chamou de “espantoso gênio” — também por ter sido quem fixou a língua francesa.
Seus achados científicos são impressionantes, sobretudo diante da precocidade com que os fez. Sua participação no desenvolvimento da geometria moderna, nas bases do que seria o cálculo infinitesimal, no reconhecimento da existência do vácuo fizeram dele o centro de uma rede de relações entre os grandes cientistas de seu tempo.Mas seu curto tempo — faleceu aos 39 anos! — foi suficiente para ele criar uma máquina de calcular, cujos princípios são os que fizeram surgir os computadores, e a primeira empresa de transporte público, as “carrosses à cinq sols”, que atravessavam Paris em vários trajetos.
O problema com a Companhia de Jesus aconteceu por não aceitar uma profunda injustiça: a opressão do Rei Sol e do Papa contra os jansenistas — ordem religiosa muito rigorosa que se formara em torno da Abadia de Port Royal —, obrigados a afirmar, sob pena de excomunhão, que havia na obra do teólogo Jansenius afirmativas que não havia e que elas eram falsas. Pascal, ou melhor, um dos seus heterônimos, Louis de Montalte, escreveu então as Cartas a um provincial. Para divulgá-las no estado policial que era a França montou uma rede de oficinas, imprimindo simultaneamente em vários locais da cidade e em endereços voláteis. O sucesso foi enorme. Os exemplares de cada carta eram disputados a qualquer preço. Escritas na mais límpida linguagem, elas demoliram a tolerância dos jesuítas aos mais absurdos pecados com ironia e lógica. Logo editadas em bloco por toda a Europa, elas foram um dos maiores fenômenos de venda da história do livro.
Mas o duplo centro da obra de Pascal só foi descoberto depois de sua morte. O primeiro foram duas folhas de um mesmo texto, um em papel, outro em pergaminho, dobrados várias vezes, costurados no interior de suas vestes para sempre estar consigo. Esse Memorial é a expressão de um encontro com Deus: “Fogo. Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob, não dos filósofos e eruditos. Certeza, certeza, sentimento, alegria, paz. Deus de Jesus Cristo…”
O segundo foram centenas e centenas de recortes de papel, amarrados em cordões, com as páginas mais lúcidas que o homem já pensou. Reunidos com o título de Pensamentos, sua influência é imensurável. É a ela que se refere o Papa Francisco: “o extraordinário esforço intelectual de defesa da fé cristã”. Há uma frase de um de seus estudiosos: “Querer ler os Pensamentos de Pascal evitando a vertigem é querer ler outra coisa.” Ele não nos deixa indiferente. E não nos deixa indiferente por ter compreendido, antes de qualquer outro, as dimensões de espaço e tempo: “O que é o homem na natureza? Um nada diante do infinito, um tudo ao olhar do nada, um meio entre nada e tudo, infinitamente distante de compreender os extremos.”
Pascal explicou melhor que qualquer outro que a existência de Deus não é questão de razão, mas de fé. E desenvolve então sua “terceira dimensão”: “A distância infinita dos corpos aos espíritos ilustra a distância infinitamente mais infinita dos espíritos à caridade, porque ela é sobrenatural.”
Como disse em sua frase mais conhecida: “O coração tem razões que a razão desconhece.”