Nesta terça-feira, 2, a Academia Brasileira se pronunciou sobre a censura ao livro "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", de Marçal Aquino. Após pressão do deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO), que classificou a obra como “pornográfica”, a Universidade de Rio Verde (UniRV), de Goiás, retirou o livro de seu vestibular com a justificativa de que seria impróprio para os alunos.
"A Academia Brasileira se solidariza com o escritor Marçal Aquino e deplora a censura de que foi alvo seu romance 'Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios'", escreveu a instituição em suas redes sociais. "A obra foi excluída do vestibular da Universidade do Rio Verde (UniRV- Goiás), que cedeu a pressões políticas obscurantistas. Engajamo-nos ao lado de todos os que desejam revogar a arbitrária proibição".
Editora de "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios", a Companhia das Letras também publicou uma nota em suas redes sociais. “A Companhia das Letras repudia qualquer tipo de censura e, diante de uma situação como essa, declara seu apoio a @marcal_aquino, autor vencedor do prêmio Jabuti e com obras lançadas na Alemanha, Espanha, França, México, Portugal e Suíça”, postou a editora.
Ouvido pelo GLOBO, o escritor Marçal Aquino criticou a decisão da universidade. Para o autor, o deputado Gustavo Gayer não tem “condições técnicas” para avaliar o livro.
— Acata-se a opinião de um deputado, que não é a pessoa mais apropriada para julgar se o livro é adequado ou não para o vestibular - diz Aquino. — Se a pressão de um deputado é maior do que sua própria comissão avaliadora, então colocaram sob suspeição todos os demais livros do vestibular. Recusam o debate e simplesmente censuraram. A cara do Brasil de hoje.
Publicado em 2005, “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” já foi adaptado para o teatro e para o cinema (em filme de 2011 dirigido por Renato Ciasca e Beto Brant, com Camila Pitanga no papel principal). A história retrata o envolvimento do fotógrafo Cauby com Lavínia, mulher de um pastor evangéluco que a tirou das ruas e das drogas. Situada no Pará, a trama é povoada por personagens do sub-mundo, como garimpeiros, comerciantes inescrupulosos, prostitutas e assassinos de aluguel. É nesse cenário que o personagem tenta sobreviver: “Nunca acreditei no diabo. Apenas em pessoas seduzidas pelo mal”, diz ele.
Desde que foi lançado, o livro já teve mais de 20 edições e é usado em cursinhos de pré-vestibular. Até este ano, nunca havia sido alvo de polêmicas. Em um vídeo publicado na sua conta do Instagram, o parlamentar selecionou trechos da obra e questionou a UniRV: “A partir de que momento conteúdo literário pornográfico passou a ser pré-requisito para determinar se uma pessoa pode ser aluno da universidade?".
No último dia 26, a universidade informou em nota sobre a exclusão do livro. Em nota publicada no site da instituição, admitiu que havia a decisão foi influenciada pela “polêmica” levantada pelo parlamentar.
“Em relação ao livro do autor Marçal Aquino, trata-se de uma obra da literatura brasileira contemporânea, trabalhada nos principais cursinhos pré-vestibulares e presente na lista obrigatória de diversos concursos do país, motivo pelo qual a banca o teria indicado para o vestibular da UniRV”, disse em nota. “Porém, a Coordenação do Vestibular, ao tomar ciência do conteúdo do livro e da polêmica gerada, decidiu pela exclusão imediata da referida obra da lista literária indicada para o vestibular”.
Não é a primeira vez que o deputado Gustavo Gayer cria polêmica com a classe artística. Em março do ano passado, ele definiu a atriz Fernanda Montenegro e a apresentadora Xuxa, ambas críticas do governo Bolsonaro, como “decadentes”. Em novembro, ele teve sua conta no Twitter suspensa por decisão judicial. Como outros aliados do presidente Jair Bolsonaro, ele havia divulgado nas redes sociais uma live feita por um argentino, amigo do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em que ele faz acusações infundadas sobre as urnas eletrônicas.
02/05/2023