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Dois perdidos

 

Desde a campanha presidencial ficou explícito que Lula e Bolsonaro queriam se enfrentar, cada qual considerando que o outro era o melhor adversário para derrotar. Ambos tinham razão, pois a polarização levou a um esvaziamento do centro político, e o país se dividiu. A vitória de Lula pela menor margem de diferença da história recente do país deixou para trás uma oposição que, mesmo abandonada por Bolsonaro em seu exílio voluntário, tem força política no Congresso e nas redes sociais.

Maior prova disso foi a reação das redes à estultícia de Lula insinuando uma farsa na operação da Polícia Federal que desmontou um esquema criminoso que visava o senador Sérgio Moro por suas ações contra a maior facção criminosa do país quando ministro da Justiça, e outros membros do sistema judiciário. Moro cresceu e Lula murchou nas redes sociais, embora os petistas e seus satélites insistam em levantar falsas armações policiais para favorecer Moro.

Lula não apenas ofendeu a Polícia Federal como seu ministro da Justiça Flávio Dino, que elogiou a ação e exaltou a atuação 'republicana' em relação a um adversário do presidente Lula. Em vez de aproveitar a ocasião para exaltar as qualidades da Polícia Federal, órgão do Estado que atua acima dos governos da ocasião, Lula comportou-se como Bolsonaro, que via conspiração em todas as ações do governo que não lhe favoreciam, e queria que a Polícia Federal trabalhasse a seu favor.

A atitude de Lula no episódio revela que ele continua ligado na disputa eleitoral que quase perdeu, e Bolsonaro também, por considerar que poderia ter ganhado a eleição. O ex-presidente, em seu exílio patético na terra do Mickey, relançou suspeitas sobre as relações do PT com a facção criminosa, afirmando que ao desconsiderar a ação da Polícia Federal, Lula ajudava os criminosos, isentando-os de culpa. Também Moro conseguiu um argumento de peso contra seu adversário político, pois agora é um senador afrontado pelo crime organizado e atacado pelo presidente.

A desastrada fala de Lula não apenas trouxe de volta ao centro do ringue o ex-juíz Sérgio Moro, mas libertou Bolsonaro de seus próprios problemas, como as joias das arábias, e colocou o ex-presidente no ataque. As velhas acusações de conluio do PT com o crime organizado, desde o assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, voltou a rondar o partido governista. Com essas atitudes bélicas, Lula e Bolsonaro parecem ter chegado à conclusão de que o melhor é manter em fogo não tão brando a disputa entre os dois, não abrindo espaço para outros espectros políticos.

Mesmo vencedor por poucos pontos, Lula está no comando do país, e já deveria ter entendido que governar bem é a melhor maneira de minar as bases do representante da direita raivosa. Trazendo-o de volta à cena, mesmo que venha a ser considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro continuará liderando a banda direitista, e apoiará um representante, seja Michele Bolsonaro, ou Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo que pode agregar o eleitor de centro.

Lula não é mais aquele líder que comandava as massas, tornando párias aqueles que não gostavam dele. Do jeito que as coisas vão, com o país sem encontrar um rumo, escolhendo sempre um bode expiatório para seus erros, Lula abre espaço para seus adversários e para o surgimento de opções à esquerda e à direita. Moro volta a ser um símbolo que já teve o apoio da maioria dos brasileiros, quando colocou Lula na cadeia.

Da tribuna do Senado, terá condições de retomar o protagonismo político. A sorte de Lula é que Moro não é um bom orador. A sorte de Moro e de outros adversários de Lula é que o presidente não consegue, como no passado, vender a imagem de 'paz e amor', que na campanha ainda apareceu de vez em quando. Compará-lo a Mandela passou a ser ridículo, se lembramos que Mandela ficou preso por 30 anos e teve a grandeza de organizar o fim do apartheid negociando com seus algozes, sem ódio ou instinto de vingança.

Lula e Bolsonaro parecem ter chegado à conclusão de que o melhor é manter em fogo não tão brando a disputa entre os dois.

O Globo, 26/03/2023