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Um Brasil para Antonia

 

Antonia, neta que vai nascer em maio, assistiu ao show de Chico Buarque e Mônica Salmaso, aqui em São Paulo. Rita, nossa filha, contou que a menina se agitou bastante dentro da barriga, talvez animada pelas canções, pelos aplausos, pela agitação da plateia.

Diogo, o pai, punha a mão e sentia os movimentos. Rita e a mãe Márcia cantaram todas, sabem todas. Ali no Tokio Marine, envolvido por mil pessoas, olhei para Chico e Monica e vi que o Brasil nos estava sendo devolvido.

Esta foi a alegria maior de muitos anos. Estamos começando ater nosso país de volta, depois de uma época dominada pela escrotidão.

A alegria e uma certa paz vêm sendo recuperadas. Estava na hora. A música brasileira que nos alimentou por tanto tempo parece voltar, depois de anos disparatados. Quem viveu, sabe.

Fomos felizes um dia, famos aos shows de Chico, Gal, Gil, Caetano, Bethânia, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Simone, Miúcha, Alcione, João Bosco, Luis Melodia, Ná Ozzetti, Renato Teixeira, Tim Maia, Roberta Sá, Céu.

Minha geração teve sorte, viu/ouviu Vinicius, Tom Jobim, João Gilberto, Elis, Beth Carvalho. Longa lista de gerações nos chega, com letras que falam do Brasil, canções que alegram, fazem rir e chorar nos explicam - e que, por quatro anos, desapareceram. Tempos de escuridão, marcados aqui e ali por diamantes sauditas, canetas de ouro, liberação de armas, rachadinhas, mansões compradas com dinheiro vivo, gabinetes de ódio, machismo, preconceito.

Sexta-feira, 10 de março, ficará para mim - ou para nós como a noite da libertação. Vontade de chorar ao ver mil pessoas cantando junto com Chico e Mônica. 'Agora era fatal / Que o faz de conta terminasse assim / Pra lá deste quintal / Era uma noite que não tem mais fim. '

Sabemos todas as suas canções, que fizeram e fazem parte de nossas vidas. Foi o reencontro do Brasil com o Brasil, das canções cantadas junto, dos aplausos, dos risos, da luz de milhares de celulares. Porque há pessoas - olhem a doideira que, em lugar de olhar para o palco, olham para a telinha do telefone. Esquecendo de guardar na memória e na alma aquele momento mágico e santificado que era estar vendo Chico e Mônica.

De volta ao coração, à alegria. Espero viver o suficiente para um dia explicar à Antonia o que foram esses momentos de música, felicidade, riso, paz.

Jornal O Estado de S. Paulo, 26/03/2023