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Deter o Estado bandido

 

Se não ficarmos atentos, se o governo não tomar providências drásticas, corremos o risco de ser submetidos a um estado narcotraficante, como aconteceu na Colômbia durante anos. Foi muito difícil acabar com esse domínio lá, foi preciso ajuda maciça dos Estados Unidos, com dinheiro e forças militares. É uma situação a que não podemos chegar.

Mais uma vez a realidade dramática do domínio de territórios pelo crime organizado nos afronta e nos amedronta. Não bastasse a sequência de crimes cometidos por facções criminosas disputando espaço no Nordeste brasileiro, surge a tentativa de intimidar a Justiça e o sistema penitenciário com atentados contra juízes, promotores, agentes penitenciários, que lidaram nos últimos anos com a iniciativa de controle dessas facções. Seja, como fez o hoje senador Sergio Moro quando ministro da Justiça, enviando as lideranças desses bandidos para prisões de segurança máxima em diversas regiões do país, seja tratando-os com o rigor da lei.

A criação de um Ministério da Segurança Pública, concretizada no governo Temer e revertida no de Bolsonaro, voltará à discussão. É o que sempre acontece quando fica evidente que o crime organizado está ampliando suas ações, nacionalizando e até internacionalizando sua presença na distribuição de drogas.

Mas há uma cautela historicamente apartidária para tratar a questão, para que ela não contamine o presidente da República. Em 1997, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas ligada ao Ministério da justiça. No primeiro governo petista, houve a sugestão de que esse secretário ficasse subordinado diretamente ao Palácio do Planalto, e foi escolhido o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Questões políticas impediram a eficácia da mudança.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, não queria perder o controle dessa função crítica, e o ministro da Casa Civil, José Dirceu, tinha discordâncias políticas com Soares e convenceu Lula de que não deveria vincular sua figura presidencial a tema tão delicado politicamente.

No final de 2003, Dirceu lançou a tese de que deveria ser criada a figura do czar antidrogas no Brasil, a exemplo do que existe nos Estados Unidos. Chegou a dizer que gostaria de assumir a tarefa. Nada disso aconteceu. O governo federal deveria coordenar as políticas de segurança estaduais. O combate ao crime organizado não pode ser responsabilidade exclusiva dos estados, como teimam em interpretar a Constituição.

Narcotráfico e tráfico de armas são crimes federais, transnacionais, entram pelas fronteiras. A disputa do Estado de Direito com o Estado bandido, com as milícias, os comandos de criminosos de diversas facções é uma questão-chave de que o Brasil não cuida há muitos anos.

Este caso de agora é gravíssimo, porque é um lance a mais na tentativa de controlar a sociedade. Praticar atentados contra autoridades públicas, ameaçar as instituições é passo ousado que tem de ser combatido. Tem razão o ministro Flávio Dino quando diz que não se pode politizar a ação repressiva de ontem. Nem para ressaltar a ação governamental como se fosse demonstração de 'democracia e civilidade', por estar envolvido o ex-juiz Sergio Moro, muito menos para tentar insinuar que o PT tem a ver com a ameaça, como quis Bolsonaro.

A ação policial nesses casos é obrigação do governo, não favor, sejam as vítimas adversários ou amigos. O comentário de Lula sobre querer 'f. . . r' Moro, se vingar, é infeliz em todos os sentidos, mas não o incrimina em nenhuma ação. Apenas revela que ele não é nenhum Mandela, como querem os que o endeusam.

Praticar atentados contra autoridades públicas, ameaçar as instituições é um passo ousado que tem de ser combatido.

O Globo, 23/03/2023