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Buscando atalhos

 

Como quem não quer nada, o PT voltou a lançar a ideia da convocação de uma Constituinte exclusiva para realizar a reforma política. O tema já foi defendido por Lula na sua primeira administração, com o apoio até da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e pela então presidente Dilma, sempre em situações críticas. Não deu certo.

Agora, o senador Humberto Costa, vice-presidente nacional do PT, em entrevista ao Poder 360, voltou a defender a tese, alegando que o sistema brasileiro não permite que o presidente eleito tenha maioria congressual, tornando-o refém dos parlamentares. Constituinte convocada pelo governo é igual à tentativa de aprovar mudança de sistema de governo em meio a um mandato presidencial: ambos os defensores querem mesmo é ampliar seus poderes ou constranger os do governo.

Sempre pareceu a muitos ser uma saída para a efetivação de uma reforma que, de outra maneira, jamais sairá de um Congresso em que o consenso é impossível para atender a todos os interesses instalados. A convocação dessa Constituinte, porém, ficaria dependendo da aprovação da população por meio de um plebiscito, o que torna a tarefa muito difícil de ser concluída.

Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nesse sentido, além das dificuldades inerentes ao quórum qualificado nas duas Casas do Congresso, precisaria também ter o aval do povo para valer e, mesmo assim, certamente seria acusada de inconstitucional, indo parar no Supremo Tribunal Federal (STF). No fundo, a ideia é levar as decisões para fora do Congresso.

Todo esse debate, porém, fica prejudicado pelas experiências na América Latina, onde vários governos autoritários usaram a Constituinte para aumentar o poder do Executivo, como aconteceu na Venezuela de Hugo Chávez, na Bolívia de Evo Mordes, no Equador de Rafael Corrêa. A base teórica da manipulação dos referendos e do próprio instrumento da Constituinte para dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro 'O poder constituinte - Ensaio sobre as alternativas da modernidade', do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.

O filósofo italiano diz que o 'poder constituído' procura tolher o 'poder constituinte', limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui por meio das 'representações' dos poderes do Estado. O Congresso é uma dessas representações. Numa definição mais popular, Evo Morales disse que se trata de uma nova maneira de governar por meio do povo. Defende, na prática, a 'democracia direta', o fim das intermediações do Congresso, próprias dos sistemas democráticos.

O governo está tendo dificuldade para negociar com um Congresso majoritariamente conservador, tendente à oposição, a não ser que seus interesses coincidam com os do governo ou encontrem uma maneira de convívio sem conflitos. Foi assim que o Congresso aprovou a PEC que a oposição chamou 'da gastança', em troca da leniência com o orçamento secreto, que acabou formalmente, mas até hoje espalha bilhões de reais para as emendas parlamentares.

Assim como as CPIs, também Constituintes, exclusivas ou não, não se sabe como terminam. A tentação acaba sempre sendo ultrapassar o Poder Legislativo, fazendo uma ligação direta com o eleitorado por meio de um governo plebiscitário, que leva ao populismo e ao autoritarismo. O cientista político Bolívar Lamounier considera que a possibilidade de manipulação é inerente ao instrumento do plebiscito, 'pois a autoridade incumbida de propor os quesitos pode ficar muito aquém da neutralidade'.

Há ainda uma impossibilidade amais: nada indica que o PT no governo, neste momento, tenha voto suficiente para aprovar em plebiscito um modelo que o favoreça.

Governos autoritários usaram a Constituinte para aumentar o poder do Executivo, como na Venezuela de Chávez.

O Globo, 14/03/2023