A previsível indicação do presidente Lula de seu advogado pessoal Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF) está provocando discussões éticas e políticas tão grandes quanto as nomeações do ex-presidente Bolsonaro, que escolheu um candidato 'extremamente evangélico', e outro, Nunes Marques, que faz questão de demonstrar diariamente sua gratidão pela indicação surpreendente, inclusive para ele mesmo, que fazia lobby para ir para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e acabou no STF.
A escolha da primeira mulher na Corte, Ellen Gracie, por Fernando Henrique, ou de um negro, Joaquim Barbosa, por Lula, tem uma explicação política óbvia de tornar o plenário mais representativo. No momento, há movimento a favor da escolha de uma mulher negra para juíza da STF, o que seria um pioneirismo. Até mesmo o ministro Edson Fachin manifestou-se a favor da tese, ele que foi muito criticado, inclusive por mim, quando escolhido por Dilma, pois participara de campanha a favor de sua candidatura, mas porta-se com rigor e isenção no STF.
A indicação de auxiliares próximos, como Gilmar Mendes por Fernando Henrique, ou Dias Toffoli por Lula, e Alexandre de Moraes por Temer, tem uma explicação técnica e de confiança. Os dois primeiros foram da Advocacia-Geral da União (AGU), e o último, ministro da Justiça. Toffoli tinha, como desfavorável, o fato de ter tido uma vida jurídica unicamente ligada ao PT, sem atividades anteriores de valor. Tendo inclusive sido reprovado em exames para juiz.
Mas escolher André Mendonça que, mesmo tendo sido da AGU de Bolsonaro e reconhecidamente ser um jurista de qualidade, por ser 'extremamente evangélico', foi um erro que o Senado deveria ter barrado. A questão religiosa não deveria nunca entrar em debate quando se trata da escolha de funcionário de um governo laico.
Faz parte do jogo democrático o presidente nomear juízes que sejam do mesmo espectro político que o seu, desde que tenham capacitação comprovada. Lula e Dilma nomearam ministros que se comportaram com correção nos julgamentos do mensalão e do petrolão. Raros foram os que já se sabia de antemão como votariam. Pode-se até questionar se essa é a melhor maneira de escolher os ministros da mais alta Corte do país, mas não criticar escolhas de juízes mais conservadores, ou mais progressistas, segundo a presidência do momento.
Mas arelação pessoal como a com Cristiano Zanin, apesar de sua qualificação profissional, não é comum, e pode ser contestada no Senado. Zanin atuou nos processos em que Lula foi réu no contexto da Operação Lava-Jato, e foi definido pelo presidente como seu 'amigo', o que fere o princípio da impessoalidade no serviço público.
A Suprema Corte dos Estados Unidos é o modelo de Corte Constitucional em que se baseia nosso Supremo, e como cá, nos EUA os presidentes da República nomeiam os ministros. Mas lá o Congresso, sempre equilibrado entre os partidos Republicano e Democrata, é mais severo ao aprovar as indicações: o ex-presidente George W. Bush não conseguiu emplacar sua advogada, que renunciou antes de se submeter à sabatina, diante da reação negativa que sua indicação suscitou. Lyndon B. Johnson nomeou seu advogado pessoal Abe Fortas e depois tentou fazê-lo presidente da Corte - lá é o presidente dos Estados Unidos quem nomeia o presidente da Suprema Corte, função vitalícia -, mas o Senado não aceitou, e Fortas renunciou.
A sabatina dos indicados pelo Senado brasileiro é mais uma farsa do que uma verdadeira escrutinação. A primeira indicação de Lula pode, porém, inaugurar uma nova fase, pois o atual Senado tem maioria conservadora, e de oposição. A vantagem de Zanin é que ele, em defesa de Lula, atacou a Operação Lava-Jato, e a maioria dos políticos gosta desta tese. Zanin vai enfrentar na sabatina o senador Sergio Moro, explicitando uma trapaça do destino: Moro queria ir para o STF, em seu lugar pode entrar Zanin, que perdeu todos os julgamentos para Moro, mas pode ganhar a batalha final.
"Moro queria ir para o STF, em seu lugar pode entrar Zanin, que perdeu os julgamentos para Moro, mas pode ganhar a batalha final".