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Um poder relevante

 

Diz-se que o vice é um nada às vésperas de tudo. Segundo e terceiro na linha de sucessão da Presidência da República, os presidentes da Câmara e do Senado não têm a chance de virar'tudo', mas também são um 'nada' relativo. Se os cargos de presidente e vice ficarem vagos nos dois primeiros anos, assume interinamente a Presidência da República o presidente da Câmara, mas terá de convocar uma eleição direta para a escolha do novo presidente. Caso essa necessidade aconteça nos dois anos finais, a sucessão será definida por eleição indireta no Congresso.

As disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, que serão decididas amanhã na reabertura dos trabalhos legislativos, têm paradoxalmente importância política relevante no desenrolar dos governos, mas relativa na vida política pessoal de seus ocupantes.

São dois anos de mandato que colocam em evidência seus detentores, mas não costumam historicamente alavancar suas carreiras à Presidência da República. Trata-se de um poder mais interno que externo, dependendo dos casos, maior até mesmo que o do presidente da República.

Dois presidentes oriundos desses cargos foram eleitos vices e chegaram à Presidência, ou por morte do candidato eleito, caso do então senador José Sarney, vice de Tancredo Neves (que nunca foi presidente de nenhuma das Casas); ou pelo impeachment da então presidente Dilma, caso do deputado Michel Temer.

O presidente mais poderoso dos últimos tempos foi o deputado federal Ulysses Guimarães, que chegou a presidir a Câmara e a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, mas, ao candidatar-se à Presidência da República, em 1989, foi abandonado pelo então PMDB, acabando em sétimo lugar na corrida presidencial.

Outro presidente da Câmara forte em nível nacional foi o deputado Aécio Neves, que perdeu por uma diferença mínima a Presidência da República para Dilma Rousseff em 2014. O deputado Luís Eduardo Magalhães presidiu a Câmara de 1995 a 1997 e seria forte candidato da coligação governamental à Presidência da República, mas morreu de infarto.

O interesse pelas presidências da Câmara e do Senado moveu-se nos anos mais recentes para os assuntos internos do Legislativo, e o poder depende mais do atendimento às demandas de deputados e senadores que de grandes planos nacionais. As negociações apequenaram-se, as ambições também.

O atual presidente da Câmara, Arthur Lira, venceu a eleição porque o então presidente, Rodrigo Maia, não podia mais se candidatar. Maia tinha pretensões nacionais, mas sabia atender às demandas internas dando-lhes uma roupagem institucional. Desde então, Lira vem tratando a presidência da Câmara com uma visão muito mais fisiológica que institucional.

Ao controlar o presidente da República, como foi o caso com Bolsonaro, sua pretensão não é programática, mas pragmática. Quer ter o poder para favorecer a si mesmo e a seus aliados, e isso faz com que, mesmo tendo apoiado o derrotado Bolsonaro à reeleição, hoje tenha o apoio até do PT, montando uma 'frente amplíssima' de sustentáculos suprapartidários que inviabiliza qualquer disputa contra ele.

Destaque-se, a bem da verdade, que o deputado Arthur Lira, mesmo não tendo rompido com Bolsonaro, apoiando-o até o fim, não compactuou com seus arroubos autoritários. Pronunciou-se em diversas ocasiões a favor da democracia, deixando claro que a Câmara, sob seu comando, não apoiaria retrocessos institucionais.

No Senado, sim, disputa-se ideologicamente o cargo de presidente. O atual, Rodrigo Pacheco, sempre esteve mais claramente dedicado à defesa da democracia, tanto que o ex-presidente Bolsonaro trabalha pela eleição do senador Rogério Marinho, que foi seu ministro. Considerado 'de altíssima qualidade intelectual' e 'bom quadro da elite conservadora', Marinho ainda garimpa votos para derrotar Pacheco, que procura inserir a disputa na polarização política que divide o país. Com ele do lado democrático, apoiado pelo presidente Lula.

"Ao controlar o presidente, como foi o caso com Bolsonaro, pretensão de Lira não é programática, mas pragmática".

O Globo, 31/01/2023