Meu avô nos contava histórias que nos encantavam e ainda, às vezes, nos faziam acompanhar suas risadas espetaculares. Uma delas ficou para sempre inesquecível. Pelo menos para mim.
Tratava-se de um conto sertanejo, de lá de onde ele e a família dele viviam e criavam seu gado. Por causa das querelas em torno de vacas e bois, e mais a partida repentina dele para Maceió, nunca conheci a família de meu avô como sabia do pessoal de Matriz de Camaragibe, parentes ligados à minha avó Baby. Acho que era por isso que meu avô repetia tanto as histórias que nos contava, quase sempre ligadas a Colégio, Delmiro ou Piranhas, onde vivia seu povo na beira do rio.
Essa história, uma das que mais pedíamos que repetisse, era uma adaptação de conto sertanejo que falava de alguém apaixonado por uma moça daquela vizinhança. Esse infeliz, rejeitado por seu amor, apareceu um dia com um recém-nascido que jurava ser seu, fruto de uma noite de sexo furioso, passada discretamente algumas semanas antes. Para surpresa geral, quem mais sofreu com a novidade foi exatamente a mulher que o rapaz abandonado amava e a quem jurara dedicar sua vida condenada a esse abandono. Acho que nosso amigo nunca soube disso, permanecendo fiel ao amor sem esperança que cultivava.
O povo não perdeu tempo com ilusões, formando sua própria ideia sobre as consequências da história e o que havia ocorrido. Sobretudo depois que [ morreu nosso amante desesperado, não se sabe se vítima de um suicídio mal executado ou de um carrapato venenoso.
O fato é que ele deixava, em pleno vigor de sua juventude, o filho do pecado mal explicado, além da fama de seu amor impossível. O que bastou para que o povo encerrasse o conto mítico com uma versão maliciosa de canção conhecida dos que sabiam os valores das histórias sertanejas. Glauber Rocha, por exemplo, usou aversão nobre dessa canção como tema de Corisco em seu inesquecível 'Deus e o diabo na terra do sol', filme que marcou nossa geração e a cultura brasileira para sempre.
Poderoso exemplo de criatividade, o canto se tornou muito popular na região e dizia assim: 'Tá contada nossa história Verdade e imaginação Espero que o senhor Tenha aprendido a lição Que assim mal dividido Esse mundo anda errado Que o filho é do homem Não é de Deus, nem de viado'
Semana passada, morreu Nélida Pinon. Como escrevo para o jornal na sexta-feira, véspera de seu falecimento em Lisboa, não pude registrar o tristíssimo acontecimento. Mas não podemos deixar de assinalar o quanto nos fará falta sua presença sempre doce, seu talento literário e político em nossas reuniões e em nossas discussões coletivas.
Nélida tinha mais de 30 anos de Academia Brasileira de Letras, uma presença culta que sempre nos ensinava alguma coisa, capaz de resolver as mais agudas crises inevitáveis em uma atividade como a nossa. Ela foi a única presidente do sexo feminino que a Academia jamais teve, sendo admirada por nós todos que a amávamos com raro e igual esplendor.
Eu e Renata, que também era sua amiga, vamos sentir muito a falta de Nélida e de seus ensinamentos sem imposição que ela espalhava, fosse em reuniões compenetradas, fosse em nossos almoços de fim de semana em que ríamos e aprendíamos mais do que qualquer outra coisa. Que ela tenha ido em paz.
Não tenho ideia de como é que o presidente eleito nomeia seus auxiliares, mas devo dizer que acho estranha a demora em saber ao certo onde Marina Silva e Simone Tebet vão atuar, por que ministérios responderão. O que é inadmissível é que essas duas forças políticas, duas mulheres tão competentes e indispensáveis, tenham seus nomes envolvidos em nebulosos convites (ou falta deles) depois de tudo que fizeram pelo presidente Lula e sua eleição. Tomara que eu esteja errado e seja desmentido no fim das contas!
NELIDA TINHA UMA PRESENÇA CULTA QUE SEMPRE NOS ENSINAVA, CAPAZ DE RESOLVERAS MAIS AGUDAS CRISES.