A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, tachada pela oposição de 'PEC da Gastança', começa a ser analisada amanhã pelo Senado, que definirá sua forma definitiva. As PECs precisam ser aprovadas nas duas Casas (Câmara e Senado) por maioria qualificada, três quintos dos componentes de cada uma, em duas votações. Tudo com o objetivo correto de dificultar mudanças constitucionais frequentes. Apesar disso, já foram feitas 125 mudanças desde que a Constituição foi promulgada em 1988.
Se aprovada pelo Senado, ela terá de ir para a Câmara, e qualquer mudança que se fizer lá obrigará que volte ao Senado, começando a tramitação novamente. O governo não tem tempo para esperar, pois o novo Orçamento tem de ser aprovado até o dia 22 deste mês para poder valer a partir de 2023. Seu poder de pressão sobre deputados e senadores, portanto, está reduzido pelos prazos. A proposta original prevê que, por quatro anos, o governo possa colocar fora do teto de gastos nada menos que R$ 198 bilhões, que dariam para pagar o novo Bolsa Família no valor de R$ 600 mensais, mais R$ 150 por criança de até 6 anos, além de fazer investimentos em diversas áreas que as equipes de transição consideram passíveis de sofrer um apagão no final do ano.
O shutdown do governo estaria próximo de acontecer, com a impossibilidade de pagar até mesmo aposentadorias e pensões. À medida que se aproximam as datas fatais para aprovação da PEC, aumentam os reclamos do futuro governo, e vazam informes dando conta de que a situação é pior do que se imaginava. Parece claro, porém, que, mesmo com os evidentes sinais de que a gastança do governo atual para a tentativa frustrada de reeleição de Bolsonaro provocou sérios danos na estrutura governamental, obrigando cortes em setores vitais como educação ou saúde, a solução não é ampliar o déficit público na amplitude que quer o futuro governo petista, mas resolver no primeiro momento a situação financeira, criando uma nova regra para definir o teto de gastos com vista ao equilíbrio fiscal.
Várias propostas de senadores pretendem enxugar a permissão para gastar fora do teto e também definir limites para futuros orçamentos. As duas coisas têm de vir juntas, para dar uma visão de comprometimento futuro do novo governo como equilíbrio fiscal. Para defender o pedido original do governo, o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento no governo Dilma Nelson Barbosa defende que o governo petista gaste a mesma proporção do PIB do governo Bolsonaro.
Não se fala que são momentos diferentes, assim como são diferentes os momentos de 2003, no primeiro governo Lula, e o terceiro agora, 20 anos depois. Em 2021 estávamos em crescimento, com despesa de juros baixa. Com o aumento da inflação, os juros aumentaram também e contiveram o crescimento agora no final do ano. As previsões é que continuarão a trapalhandoo crescimento em 2023. Portanto teremos, além do déficit operacional, o déficit nominal impactado pelos juros. O governo Lula 3 começa também criando problemas para si próprio na economia, com medidas ideológicas interferindo nos resultados.
As estatais distribuíram dividendos para o Tesouro em alto volume, por terem tido bom desempenho. Isso se repetirá? Não se sabe se a interferência do novo governo na distribuição de dividendos prejudicará o Tesouro, reduzindo recursos que o próprio governo, como maior acionista das estatais, tem direito a receber. Se os dividendos governamentais forem reduzidos, o déficit aumentará. Além do mais, não há garantias de que as estatais continuarão tendo bom desempenho. O mercado (sempre o mercado), temendo a ação do novo governo, já precifica para baixo o valor dessas ações. Por isso, quando se noticia que propostas para enxugar a PEC da Transição têm chances de ser aprovadas, a Bolsa sobe com o sinal de que há controles para conter a gastança.
Tudo indica que não há chance de a PEC vingar por quatro anos, como pedido pelo PT. Provavelmente terá duração de dois, se não for reduzida a um só, o que parece mais razoável. As propostas dos senadores Tasso Jereissati e Alessandro Vieira limitam o valor aprovado fora do teto de gastos entre R$70 bilhões e R$ 80 bilhões, o suficiente para pagar a diferença entre o novo Bolsa Família e o antigo Auxílio Brasil. Há quem veja necessidade de abrir um pouco mais os cofres para permitir ao novo governo investimentos essenciais. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga, trabalha com a cifra de R$100 bilhões. A negociação de verdade anda nesse trilho.
A solução não é ampliar o déficit, como quer o futuro governo, mas resolver no primeiro momento a situação financeira.