Há duas semanas, sábado de sol, Mary Lafer, tendo em mãos a poesia de Homero por ela traduzida, ligou cem anos na história da Avenida Paulista. As pessoas chegavam à Casa das Rosas, lugar tombado, Casa da Poesia, penúltimo reduto de uma época que se foi. Há outro casarão da época próximo à Rua Padre João Manuel.
Passávamos por Mary, recebíamos seu autógrafo e uma taça vinho grego - tinha de ser -elegantemente trazido por Celso Lafer, marido de Mary. Sentávamos em mesinhas ao ar livre, circulávamos pelo jardim, líamos trechos do Hino Homérico a Afrodite. Havia quem se instalava no café, servia-se de petiscos, almoçava. Aquele ambiente festivo súbito tornou-se intemporal, me vi no outro extremo da avenida, no Masp, onde no começo do século passado estava o Belvedere Trianon. Em 1957, recém chegado, aquele era o ponto do bonde Avenida 3 que me conduzia ao primeiro emprego que tive em São Paulo.
De acordo com este jornal, artigo sem data, ali havia o Belvedere, mirante com terraços panorâmicos que proporcionavam ampla visão para todo o vale, para a avenida e para os jardins do Parque Trianon. Inaugurado em 1916, faziam parte do Belvedere salões para festas e convenções com serviços de restaurante. O espaço rapidamente se tomou local de encontro da alta sociedade em festas, concertos, bailes e um 'five o'clock tea'. Era a Paulista das mansões rocambolescas dos barões do café. Várias reuniões dos participantes da Semana de 22 aconteceram ali. Durante a tarde, almofadinhas se juntavam no Mirante a praticar o jogo da sedução, do footing, das 'liaisons dangereuses'. O Mirante acabou na década de 1930. Vieram a Confeitaria Vienense na Barão de Itapetininga e, em seguida, o Salão de Chá no quinto andar do Mappin.
Na tarde do dia 8 na Casa das Rosas, agora em uma Paulista semeada de arranha-céus de bancos, empresas investidoras, reduto do mercado e do dinheiro, o livro Engenhos da Sedução, lançado por Mary, funcionou como o biscoito de Madeleine de Proust, acionando a busca do tempo perdido. Outro público, um jardim, outros tempos, mas um encontro provocado pelos hinos homéricos para a deusa Afrodite, 'que nos deuses desperta doce desejo do amor', em livro editado pela Ateliê e pela Mnema, que inclui um caderno com 'visões' dos poemas feitas por de Bia Wouk. É melhor ler e olhar, olhar e ler. Mary, tarde do dia 8, sol, avenida Paulista, a lição de grego e tradução, cultura clássica, poesia, sedução, o tempo recuperado, momento iluminado em tempos desatinados. Resistência e prazer.
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