A onda vermelha, que já foi reincidente nas campanhas eleitorais do PT, parece estar atrasada ou já passou, como o trem das onze no samba de Adoniran Barbosa. O ex-presidente Lula caminha para ir ao segundo turno com a mesma votação que sempre teve, por volta de 48% dos votos válidos, o seu melhor resultado em 2006.
Se a tal onda estiver atrasada, porém, pode ser que dê as caras nas urnas amanhã, especialmente porque as votações tanto de Simone Tebet quanto de Ciro Gomes estão decepcionantes. O eleitorado, depois do debate da Globo na quinta-feira, não mudou sua percepção de que a disputa está entre Lula e Bolsonaro, assim como aconteceu em 2018, transformando em nanicos os demais competidores.
Não haveria, portanto, razão para que os indecisos busquem neles uma alternativa, que já não existe. E não há também grupos políticos que tenham musculatura eleitoral para forçar uma negociação num eventual segundo turno. Dificilmente se repetirá o fenômeno de 2006, quando Geraldo Alckmin, então candidato do PSDB, teve menos votos que no primeiro turno. A estabilidade dos votos dos dois líderes foi mais uma vez confirmada pelos institutos de pesquisa, o que deixa uma margem estreita para uma reviravolta que nunca aconteceu nas disputas nacionais.
Nas disputas estaduais já houve casos, e pode haver este ano mais uma vez. À confirmarem-se as pesquisas, Bolsonaro é o incrível candidato que encolheu, exatamente porque esteve no governo nos últimos quatro anos e mostrou-se inepto e danoso. Sua última chance, porém, é levar a disputa para o segundo turno, aguardando que a recuperação do emprego e a queda da inflação levem a um crescimento do PIB que se reflita no bem-estar do cidadão.
O tempo é curto para a mudança da percepção popular, mesmo que as promessas de Lula de voltar a um passado que nem foi tão glorioso assim possam ser fantasiosas. A visão de um passado teoricamente melhor tende a ser mais agradável para o cidadão do que o presente desafiador. Mesmo que se lembre que se passaram 20 anos do último mandato de Lula, com um mundo diferente, longe de guerras e pandemias, com um boom das commodities que privilegiou países como o Brasil.
Bolsonaro só encontrou espaço para surgir do nada para alcançar a Presidência porque o então presidente Michel Temer envolveu-se naquela conversa com Joesley Batista, que revelou compromissos antigos nada republicanos, mesmo que dela não tenham havido consequências legais. Com relação a Lula, é natural que defenda a tese de que foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal, mas ela não é verdadeira. Ser inocentado não é a mesma coisa de 'ser inocente'. Tecnicamente Lula é 'inocente' porque não há mais condenações contra ele. O problema é que, desde que o juiz Sergio Moro foi considerado parcial no julgamento do caso do triplex do Guarujá, todos os demais julgamentos, mesmo os sem a participação do Moro, foram na maioria simplesmente anulados, sem que novos julgamentos fossem realizados.
Alguns na presunção de que prescreveriam, outros porque prescreveram mesmo. O STF não anulou todos os julgamentos, ainda faltam respostas às acusações. Mas os crimes não podem ser esquecidos. A devolução de bilhões em dinheiro roubado é um fato inescapável. O próprio Lula admitiu, na entrevista da bancada do Jornal Nacional, que não era possível dizer que não houve corrupção, pois houve confissões e devolução de dinheiro.
Ele exige para si uma absolvição que não pode pedir para seu governo. Isenta-se de culpa do mensalão ou do petrolão como Bolsonaro isenta-se do orçamento secreto. Ambos utilizaram-se do poder do incumbente para tirar do Estado recursos para controlar o Congresso, o que é antidemocrático por si só.
Não há dúvidas, porém, que os governos de Lula foram mais eficientes que os de Dilma e o de Bolsonaro. Uma vitória de Lula hoje ou no segundo turno, o que parece mais que provável, mudará imediatamente a percepção do mundo de nosso país, que está no chão desde que Bolsonaro implementou uma política externa lunática e errática, sob a orientação do falecido guru Olavo de Carvalho. O meio ambiente voltará a ter um protagonismo a que o mundo já estava acostumado, especialmente se as diretrizes da ex-ministra Marina Silva forem seguidas. Os programas sociais estarão garantidos, não apenas nos momentos eleitorais, e a economia, se distanciada da 'nova matriz econômica', poderá ser pelo menos mais sensata.
O eleitorado não mudou sua percepção de que a disputa está entre Lula e Bolsonaro, transformando em nanicos os demais competidores.