Neste 50° Festival de Gramado, foi uma luz para mim a descoberta de um novo cinema brasileiro
A partir de terça-feira, começou de fato a campanha eleitoral. Agora, sim, vale tudo. Ou quase tudo. Os candidatos até que têm se comportado com decência, como aliás se comportaram até agora. Talvez porque ainda estejam naquela fase de não saber direito o que podem e o que não podem fazer, dizer ou produzir como novidade qualquer para dar uma animada na campanha. Podemos dizer que, quem sabe, o Brasil está voltando a ser o Brasil, um país meio sem regras, tentando inventar um jeito de se comportar.
O que durante muito tempo foi cantado como se fosse uma característica libertária da cultura brasileira, na verdade sempre foi uma deficiência de conhecimentos que nos impedia de saber o que está certo ou errado numa determinada circunstância. O libertário ou suposto anarquismo poético não passava de ignorância, em vez de um rompimento lírico com o lugar comum.
Estive toda a semana que passou no Rio Grande do Sul, participando do 50º Festival de Cinema de Gramado. Fui acompanhando minha companheira Renata de Almeida Magalhães, membro do Júri do Festival e recentemente eleita a primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Cinema e de Artes Audiovisuais. (Diferentemente de Dilma, por exemplo, Renata odeia o uso do feminino neste caso; ela não é uma “presidenta”, de jeito algum, já que é O presidente ou A presidente, é palavra que já nasceu moderna, podemos facilmente classificá-la como poligênero. Assim como roteirista, gerente, jornalista e tantas outras mais. Fiquei fascinado com a ascenção rápida de certas categorias tão maltratadas até recentemente. A mulher era uma delas.)
Fiquei feliz em me ver reconhecido como uma espécie de pioneiro do cinema negro no Brasil, por uma das mais importantes jovem cineastas pretas do país, a roteirista, diretora e produtora Sabrina Fidalgo, outro membro do Júri. Sabrina viu “Ganga Zumba” outro dia e, graças a esse filme, chegou a essa conclusão, juntando-o ao que viu depois, como “Xica da Silva”, “Quilombo” e “Orfeu”.
Mas o que foi uma luz em Gramado, pelo menos para mim, foi sem dúvida a descoberta de um novo cinema brasileiro, uma sucessão de filmes em que seus jovens autores, mesmo morando longe um do outro, do Extremo Sul ao Acre, não tomando conhecimento do que aquele que mora longe estava fazendo ou pensando em fazer, em que esses jovens autores pareciam estar combinando um novo cinema pessimista e muitas vezes totalmente triste, filho desses quatro anos infelizes que estamos acabando de viver sem merecê-los.
De todos os filmes jovens, de novos cineastas, somente um ainda tinha em sua estrutura dramática uma espécie de elogio da ternura. Talvez por isso mesmo tenha sido o único que conheceu uma certa consagração do público de festival, um totalizante sucesso de um público acostumado a esses eventos. Estou me referindo a “Marte Um”, de Gabriel Martins. belo filme que não sei se será premiado (escrevo antes do anúncio da premiação do Festival), mas que conquistou quase todo o público presente, inclusive aqueles capazes de analisar um filme criticamente. “Marte Um” possui dentro dele todas as referências juvenis de hoje, sendo ao mesmo tempo um filme exemplar e que irradia afeto, digno de qualquer nacionalidade na moda.
Enfim, passei uma smana em que um novo Brasil surgia nítido num canto, enquanto no outro lá estava a velha sombra que nos incomoda tanto. Em outubro daremos um passo decisivo para tentar resolver essa (quase) eterna questão.