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O direito de escolha

 

A campanha eleitoral que começa oficialmente hoje já revela o retrocesso político a que estamos submetidos e a ameaça de não termos futuro promissor à frente. A começar pela defesa do voto útil no primeiro turno das eleições a favor do PT, uma contradição em termos. Os dois turnos existem justamente para permitir que as forças políticas se reagrupem no final, cada qual demonstrando sua capacidade de mobilização cívica no primeiro.

Vencer no primeiro turno não deve ser uma ação política, mas um movimento que revele a posição majoritária do eleitorado. Enquanto houver uma múltipla escolha entre candidatos de posições distintas, haverá a necessidade de um segundo turno para filtrar essas tendências e permitir que o presidente da República seja eleito com maioria absoluta.

Essa maioria, no entanto, não deveria ser alcançada por sentimentos como medo ou abdicação da escolha do candidato que mais se aproxima do ponto de vista de cada eleitor. Escolher o menos ruim, como vem acontecendo reiteradamente nos últimos anos, deveria ficar para o segundo turno, assim como o voto nulo e outros tipos de protesto do eleitor insatisfeito com as escolhas que sobraram.

A problemas sérios de nossas campanhas eleitorais, e não é de agora, acrescenta-se nesta a pressão para que quem não quer nem Lula nem Bolsonaro desista antecipadamente de sua escolha para não permitir que um dos dois vá para o segundo turno, como se as pesquisas eleitorais fossem oráculos que anteveem o futuro, impedindo que o eleitor demonstre nas umas, no primeiro turno, sua posição. E tente, com seu voto, alterar a tendência mostrada nas pesquisas.

O segundo turno deveria servir para que as forças políticas fechassem acordos programáticos que justificassem a nova escolha do cidadão-eleitor. Mas o país simplesmente regrediu na busca dos candidatos por uma vitória que se toma um fim em si mesma, e não um projeto para o futuro. Muito em razão de sermos um país cruelmente desigual, que produz pobrezas em perspectiva de futuro, anão ser as benesses governamentais, como Bolsa Família ou Auxílio Brasil. Ambos são instrumentos necessários, mas populistas, de caça ao voto dos desvalidos, sem que haja uma só palavra de um projeto prospectivo para que saiam da situação de penúria em que se encontram, apesar de todas as bolsas e auxílios que recebem.

O sociólogo Manuel Castells, um dos maiores especialistas em redes sociais, diz que o medo é a emoção primária fundamental, amais importante de nossa vida a influenciar as informações que recebemos. Os recursos da moderna propaganda estão mais uma vez sendo usados à exaustão nesta campanha para explorar as descobertas mais recentes da neurociência, que já definiu que o eleitor vota mais com a emoção que com a razão. Agora potencializados pelas redes sociais, os boatos e notícias fraudulentas exacerbam o medo do cidadão.

Já foi divulgado em outras eleições que o Bolsa Família acabaria se o PT fosse derrotado. Desta vez, ao contrário, é o pessoal de Bolsonaro que espalha que, se Lula ganhar, fechará as igrejas, e Lula rebate dizendo que Bolsonaro não dará mais o Auxílio Brasil.

Esses comportamentos denotam um fato triste: o Brasil vive na mão dos populistas, que usam o medo dos desvalidos para tentar ganhar-lhes o voto. Porque a maioria do eleitorado é muito necessitada, é uma gente que vive, especialmente hoje que a fome voltou e a crise piorou, na beira da necessidade, abaixo da linha de pobreza, e qualquer promessa, ou qualquer ameaça, mexe com suas incertezas.

E uma tristeza constatar mais uma vez que campanha eleitoral no Brasil não tem nada a ver com projetos e programas partidários, que se tornam fatores secundários em meio aos ataques, mentiras e ameaças para que o eleitor vote com medo. Vota-se pela barriga, pelo bolso, pelo medo de perder o pouco que se tem. Se não tivermos um presidente que se preocupe com a educação como missão prioritária de seu governo, continuaremos nessa toada, só elegendo populistas.

O país há muito elege prioritariamente populistas: Getúlio, Juscelino, Jânio, Collor, Lula, Dilma, Bolsonaro. Só no Plano Real houve uma eleição que levou à Presidência da República um candidato não populista, Fernando Henrique Cardoso, por força de um plano econômico que nada tinha de populista, mas bateu no bolso da população ao acabar com a hiperinflação. Ao ser eleito e reeleito no primeiro turno, FH transformou-se no exemplo do que pode vir a ser um presidente majoritário como primeira opção. Tinha um projeto que resiste até hoje, mesmo atacado por todos os lados por governos populistas que não se importam com um projeto de país, mas com seu projeto pessoal de poder.

O Brasil vive na mão dos populistas, que usam o medo dos desvalidos para tentar ganhar-lhes o voto.

O Globo, 16/08/2022