A plateia de jovens emocionados que na semana passada lotou o teatro da Academia Brasileira de Letras, aplaudindo de pé Fernanda Montenegro, abriu uma brecha por onde se entrevê o futuro.
O futuro de uma instituição que está festejando 125 anos se lê nos traços que ela ostenta hoje. O futuro não está guardado em um tempo distante, ele acontece nos passos com que atravessamos um mundo perigoso e imprevisível, mantendo uma interlocução com as interrogações do tempo presente que, inéditas, pedem de nós imersão no contemporâneo e protagonismo em defesa de valores. Princípios que amadureceram ao longo de 125 anos afirmam uma defesa incondicional da Cultura contra qualquer ataque que ameace desfigurar a liberdade de criação, o humanismo e a democracia.
A Academia Brasileira de Letras, em que a literatura é soberana sob as bênçãos de Machado de Assis, é aliada de todas as formas de expressão artística. A eleição recente de novos membros é uma demonstração de que a literatura não está só nos livros, está na poesia das canções que Gilberto Gil escreve e canta, e o povo ecoa nas ruas. Está na presença de Fernanda Montenegro que põe, segundo ela mesma, 'a literatura na vertical', dando vida aos personagens literários que só existiam no papel.
Aliada também da Ciência, quando elege Paulo Niemeyer. Cientista, ele sabe que na caixa preta do cérebro se guarda o mistério luminoso da criação e, por vezes, a tragédia do seu silêncio. Quem hoje negaria à ciência o estatuto de criação? O que é a ABL senão a dinâmica que se retroalimenta entre romancistas, ensaístas, cronistas, poetas, cineastas, cientistas e artistas, cujo denominador comum é a excelência de suas obras? O que é a Academia Brasileira de Letras senão um apaixonado elogio da Cultura? O renome de ser a maior instituição cultural do Brasil desenha para a ABL um perfil em que se equilibrem o cultivo da memória, a pertinência no presente e o acolhimento do que está por vir.
Essa Casa abriga parte significativa da memória brasileira. Esse prédio austero será mais e mais um espaço de criação, de defesa e de irradiação culturais. Que estudantes e cidadãos comuns se saibam bem-vindos às conferências semanais, gratuitas, em que se oferece uma diversidade de ideias relevantes para entender nossa história e atualidade. Os instrumentos de comunicação digital tornam esses debates acessíveis a todo o país.
A Revista Brasileira que a Academia publica há mais de um século acaba de ser relançada, aberta ao debate de temas civilizatórios e renovada pelas vozes emergentes das múltiplas culturas que nos constituem como nação. A Academia Brasileira - era assim que nos chamávamos 125 anos atrás - deve viver e pulsar na interlocução com o Brasil. O futuro da ABL é ser mais e melhor o que ela já está sendo quando abre as portas a um público que reconheça nela um espaço de resistência contra o obscurantismo, alavanca propulsora dos valores éticos e estéticos que vertebram com a força da Cultura uma democracia plena.