Lembra-se, Benedito Ruy Barbosa? Final dos anos 1950. Na redação do jornal Última Hora, éramos jovens caipiras, eu de Araraquara, você nascido em Gália, mas vindo de Vera Cruz, vizinha a Marília. Você começou no jornal de seu pai, A Voz de Vera Cruz, eu na Folha Ferroviária, depois no Correio Popular e em O Imparcial. Ambiciosos, queríamos ser alguém naquele jornal que tinha Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta, Arapuã, Nelson Werneck Sodré, Wilson Rahal, Jacinto de Thormes, Adalgisa Nery, figura exponenciais. Vera Cruz nos ligou, eu tinha passado infância e adolescência naquela cidade.
Na UH, você estava na seção de esportes, eu na geral, depois fui para cinema e editor de variedades. Um dia, morri de inveja. Você publicou Eu Sou Pelé, editado pela Francisco Alves. Saiu na frente. Depois, em maio de 1960, Augusto Boal, ícone do teatro, dirigiu no Arena, sua peça Fogo Frio, sucesso com Alzira Cunha e Albertina Costa, esta espécie de musa adorada no Oficina e no Arena. Naquela peça germinal, havia ainda Fauzi Arap (vejam só) Homero Caposi e Jairo Arco e Flecha. A peça estreou com 70% de índice como ótima.
Esta memorabilia, Ruy Barbosa, é para te contar de minha felicidade hoje ao ver que Pantanal é o grande momento da televisão, assim como foi anos atrás. Ai está o texto de um autor que hoje tem noventa anos, retrabalhado com talento pelo seu neto. Atualíssimo e com uma personagem memorável, dona Bruaca, inserida no panorama das conquistas feministas. Pantanal viralizou (como se diz agora) e trouxe temas caros a este novo mundo. Beleza a atriz Isabel Teixeira, filha de Renato Teixeira. Gerações se sucedem e avançam.
No jornal, Ruy Barbosa e eu trocávamos sonhos. 'Romance não é comigo, prefiro teatro, os personagens são vivos no palco, tem cara, corpo', dizia ele. 'No romance, posso deixar o leitor imaginar a cara e o corpo que quiser, mexo com o tempo à minha vontade. ' Enquanto teorizávamos, produzíamos. Ele foi para a TV e venceu, atravessou períodos os mais diferentes, permaneceu. Sua linguagem atravessou a história da TV e do Brasil. Neste domingo, 31, faço 86 anos e recebo da minha editora, a Global, meu novo romance, Deus, o que Quer de Nós? Os dois caipiras dos anos 50 estão ai. Quanto tempo ainda vamos durar, Ruy? Na última Bienal do livro, invadi uma fala de Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado. Quando um beijou a mão do outro, senti que aquele instante marcava uma troca de gerações. A dele, chegando, a minha deixando a cena. Quantos, naquela tarde entenderam o simbolismo daquele instante, em uma Bienal que renascia após a pandemia?
'Pantanal' é o grande momento da televisão. AÍ está o texto de um autor que hoje tem 90 anos.