Quando as Nações Unidas ainda começavam o sonho de conciliação universal - frustrado até hoje, mas ainda vivo para quem acredita no primado do Direito -, foi escrita, com grande participação de Austregésilo de Athayde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela declara: 'Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.'
No horrível episódio deste fim de semana, em Foz do Iguaçu, o militante petista Marcelo Arruda foi assassinado por um militante bolsonarista. A exacerbação da violência culminou, como era previsível, com a morte de um homem no seu momento de celebração da vida, nos deve levar a refletir sobre os direitos fundamentais.
Os direitos são sempre condicionais, não há direito absoluto. Mesmo o direito à vida é limitado: ele cessa quando há ameaça a outra vida. Mas é preciso muito cuidado com o uso da legítima defesa, ele não é uma licença '007' para matar. Sem o direito à vida a sociedade não faz sentido, o Estado não faz sentido.
Quando o Estado estabelece quais são os limites do que se pode fazer forma-se um Estado de Direito, um conjunto de regras feito de constituições e leis. E é do seu balanço que surgem os limites do nosso dia a dia. Não podemos roubar; não podemos agredir; não podemos matar.
Schlesinger, o grande historiador americano, colocou muito bem os limites da palavra - num país onde há o culto da liberdade de expressão -: 'Não se pode igualar uma demonstração pedindo a obediência à lei com uma demonstração incitando a desobediência à lei.'
A mídia e mesmo a academia, ao fazer eventualmente a defesa da 'paridade de manifestação', não podem deixar de fazer esta distinção essencial: é necessário ter critérios muito firmes dos limites. Não se pode colocar como equivalentes a defesa do 'não matarás' e a defesa do 'mate'; 'a Terra é um astro' e 'a Terra é plana'; a Teoria da Relatividade e o criacionismo.
O ódio e a violência não têm lugar no Estado de Direito. Não têm lugar na política. Não devemos nem podemos seguir Lênin - 'quem não está conosco está contra nós' e se deve 'aplicar na política a arte da guerra' - ou Clausewitz - 'a guerra é a continuação da política por outros meios' e 'a destruição do inimigo deve ser sempre o objetivo'. Essas palavras e ideias são inaceitáveis numa democracia. São um atentado ao Estado de Direito.
Não posso deixar de pensar no lado humano e pessoal. Marcelo celebrava seus cinquenta anos e o nascimento de um filho numa reunião com a família e alguns amigos. A felicidade diante de si. Agora os seus só têm sofrimento e desesperança. É a tragédia absoluta. Que ela ocorra por intolerância deve fazer com que todos nos desarmemos, no sentido real e no figurado, para que não ocorram outras tragédias.
O Estado tem uma missão muito clara: garantir a vida, garantir a paz. Falhou. Agora o Poder Judiciário tem que agir imediatamente e restabelecer o domínio da Lei.