A farra com o dinheiro público para tentar reeleger o presidente Jair Bolsonaro está chegando a níveis criminosos, pelo menos do ponto de vista da legislação eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira, está usando todos os artifícios regimentais para apressar a aprovação do aumento do Auxílio Brasil e das benesses concedidas para subsidiar o preço do diesel e da gasolina indiscriminadamente a caminhoneiros, taxistas, motoristas de aplicativos, uma vasta gama de beneficiários que atinge da classe pobre às médias e altas.
Tudo para apressar os trâmites e permitir que as medidas tenham validade a partir de agosto, dois meses antes das eleições. A discussão mais absurda é a que se desenvolve nos últimos dias, sobre o estabelecimento do estado de emergência. O governo quer transformar a crise econômica que ele mesmo criou em pretexto para não ser punido pela ilegalidade que está cometendo.
A mais exemplar atitude de um Senado acovardado e corrompido foi a votação quase unânime da “PEC Kamikaze”. Apenas o senador José Serra manteve-se íntegro, votando contra uma alteração constitucional claramente inconstitucional, que deveria ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Dificilmente isso acontecerá porque a classe política está empenhada em se beneficiar de atitudes populistas às vésperas da eleição ou então amordaçada pelo medo de ser considerada contrária aos cidadãos em dificuldade.
Evidente que a situação é de gravidade extrema, mas não é de hoje. Por que os governistas não aprovaram essas benesses anteriormente, para tentar impedir que a situação se agravasse a ponto de termos milhões de brasileiros de volta ao mapa da fome? A situação atual contrasta tristemente com uma data comemorada há poucos dias, os 28 anos do Plano Real, um dos planos de estabilização mais exitosos de todo o mundo. Houve uma ruptura com o passado de uma inflação crônica e, em consequência, uma das maiores transferências de renda ocorridas na nossa História.
O economista Edmar Bacha, em recente live, salientou que o Plano Real só foi bem-sucedido porque uniu a técnica econômica com a política, tendo sido todo ele negociado dentro do Congresso. PSDB e PFL tinham na ocasião, somados, 152 votos, e o PPS apenas três deputados, o que seria insuficiente para aprovar propostas de emendas constitucionais necessárias à implantação do plano. Ele ressalta o papel decisivo do então PMDB, que tinha 107 deputados.
Apesar de ter na época um candidato oficial, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, o PMDB não se recusou a apoiar o Plano Real, colocando deputados como relatores de medidas fundamentais. Bacha classifica de “pacto social” o acordo político feito no Congresso, em que o PMDB defendeu os pontos de vistas dos sindicatos dos trabalhadores, pois o PT não quis negociar e votou contra o Plano Real, da mesma maneira que o então deputado federal Jair Bolsonaro.
O economista, para demonstrar que corremos sérios riscos no momento econômico, apresentou um gráfico do crescimento do PIB do Brasil de 2003, primeiro ano do governo de Lula, até os dias de hoje, em contraposição ao dos países da América Latina. Até 2014, tivemos um período de crescimento na região, mas o desempenho do Brasil esteve sempre abaixo da média dos demais da América Latina. Esse crescimento deveu-se ao enorme aumento dos produtos exportados pelos países, as commodities, pelo que Bacha chamou de “enorme apetite importador da China, então em crescimento”.
Quando esse auge arrefeceu, em 2014, o Brasil parou de crescer; o mesmo, entretanto, não aconteceu com os demais países latino-americanos, que continuaram a crescer. Em 2015 e 2016, aconteceu o que ele chama de “desastre econômico” do governo Dilma, provocando uma recessão de tal magnitude que até hoje nos desafia. Edmar Bacha ressalta que somente agora estamos voltando ao nível de emprego que tínhamos em 2015.
Para ele, o governo Bolsonaro não se sai melhor. Apesar de o PIB do país ter crescido mais que o dos demais países da América Latina, não se recupera tão bem quanto. Também estamos muito mal quanto à inflação, a maior do continente atualmente, sem contar Argentina e Venezuela. Dos 20 maiores países do mundo, apenas Argentina, Turquia e Rússia em guerra têm inflação maior que a do Brasil, superior a 10%. Isso só aconteceu depois do Plano Real em duas ocasiões: em 2002, com o medo da eleição de Lula, e em 2015, em função dos “disparates” econômicos do governo petista de então. Os mesmos “disparates fiscais” estão sendo cometidos pelo atual governo, com apoio do Congresso