A interferência do presidente Bolsonaro nos órgãos de fiscalização do governo fica cada vez mais clara à medida que os fatos vão se desenrolando. É provável que esta última, no caso da prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, passe em branco graças à extrema boa vontade com que o procurador-Geral da República Augusto Aras trata as questões ligadas ao presidente. Mas está evidente que Bolsonaro teve informações privilegiadas através do ministro da Justiça Anderson Torres, a quem a Polícia Federal é subordinada funcionalmente mas, vê-se agora, não a controla.
Bolsonaro tentou várias vezes escolher os comandos da Polícia Federal, como acusou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e essa é mais uma demonstração de que o presidente queria mesmo ter o controle das ações da PF para defender sua família e amigos.
“Não vou deixar fuderem minha família toda e meus amigos”, disse Bolsonaro na famosa reunião ministerial em que exigiu fidelidade canina a seus auxiliares.
A interferência do presidente e do ministro da Justiça na PF, porém, é limitada a questões burocráticas, como impedir que o preso prestasse depoimento de corpo presente em Brasília. Ou a informações privilegiadas. Mas não há poder para parar uma investigação como essa, que foi para o Supremo Tribunal Federal (STF) justamente por envolver o presidente da República.
A proximidade de Bolsonaro com o pastor Milton Ribeiro deve-se à primeira-dama Michele, e, pelos diálogos gravados, Bolsonaro recebia versículos de seu ex-ministro. A primeira tentativa de livrar-se do problema, dizendo que Milton Ribeiro deveria “responder por seus atos”, deve ter detonado uma reação forte, pois Bolsonaro logo recuou da frieza com que abandonara o antigo ministro para se envolver com ele publica e privadamente, a ponto de avisá-lo que estava com um “pressentimento” de que a Polícia Federal poderia fazer “busca e apreensão” na sua casa.
Se tivesse alguma coisa a esconder, o ex-ministro teve tempo suficiente para se livrar do que o incriminasse, graças ao vazamento seletivo do presidente, que deveria ser punido por crime de responsabilidade, um dos muitos que poderiam ser cobrados dele em um país normal. Um obstáculo a mais na sua campanha pela reeleição.