A participação de militares no governo Bolsonaro começou com a presunção de muitos de que eles conseguiriam controlar seus ímpetos autoritários, enquanto a escolha de Paulo Guedes para o superministério da Economia indicaria um governo liberal. A escolha de Sergio Moro, também para um Ministério da Justiça fortalecido na sua estrutura com órgãos de fiscalização como o Coaf, indicaria o combate à corrupção de maneira organizada.
Bolsonaro, o político bronco, teria sido manipulado por grupos políticos e militares para abrir caminho à tomada do poder de um projeto político liberalizante. Seria uma espécie de marionete para a volta dos militares ao poder pela porta da frente, já que o último general ditador, João Figueiredo, saíra do Palácio do Planalto pela porta dos fundos, negando-se a transmitir a faixa presidencial a José Sarney, vice de Tancredo Neves.
No último dos quatro anos de governo Bolsonaro, já não resta nada do projeto liberal do Paulo Guedes, nem do combate à corrupção planejado por Moro, nem a suposta resistência dos militares. Ao contrário, dominam o cenário atual militares que foram cooptados pelo presidente para uma ação que a cada momento ganha mais força, enquanto o jogo político se desenvolve sem que o mandatário demonstre fôlego para se reeleger democraticamente.
O abuso do poder político e econômico do governo é cada vez mais explícito, levando por terra a fama dos militares de serem a elite do funcionalismo público, enquanto não sobra pedra sobre pedra do processo liberal na economia, a ponto de o ministro Paulo Guedes ter defendido nos últimos dias um congelamento de preços para controlar a inflação que já chega a 12% ao ano.
Não chegamos ainda à tentativa governamental de controlar os preços diretamente, como já aconteceu anteriormente, mas o sonho de consumo de estancar num estalo a corrida dos preços contra o bolso do cidadão está explícito no sonho iliberal de congelamento por “três, quatro meses” na palavra de Guedes, num ato falho que indica o sonho de chegar a 2 de outubro nas eleições sem os preços subirem.
A mirabolante fórmula para conter a alta dos combustíveis, torrando uma Eletrobras inteira nessa aventura, neutraliza a privatização, um dos pontos capitais do superado projeto liberal na economia. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, chegou ao posto de comandante do Exército, aparentemente, contra a vontade de Bolsonaro, que ficara irritado com um artigo que publicou defendendo a prevenção da Covid-19. Então chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército, anunciava números que indicavam que a Força tinha menos incidência de Covid devido a um política que em tudo era contra o que Bolsonaro defendia em público.
Se existiam mesmo diferenças de posição com o presidente, essas foram sendo gradativamente superadas à medida que a convivência no centro do poder foi aproximando os dois. Foi promovido depois a Ministro da Defesa. Hoje, a Defesa é uma aliada incondicional da campanha do presidente Bolsonaro para desacreditar as urnas eletrônicas, auxiliando na confrontação com os tribunais superiores, especialmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A insistência com que os técnicos militares, passados todos os prazos e limites legais, continuam a apontar supostos problemas no sistema eleitoral, aponta para um apoio à pregação de Bolsonaro de que está sendo armada uma manobra para roubar-lhe a vitória nas urnas. Sem, no entanto, um resquício de prova para sustentar a desconfiança.
A mais recente cartada está sendo organizada mais uma vez para o dia 7 de Setembro, em que se comemorará o Bicentenário da Independência do país. A utilização de data tão simbólica para confrontar as instituições, a menos de um mês das eleições, prenuncia a intenção de impedir que elas se realizem. Bolsonaro afronta o STF e o TSE dia sim, outro também. Agora mesmo, em Orlando, encontrou-se com o foragido bolsonarista Allan dos Santos, e voltou a ameaçar não respeitar decisões dos tribunais superiores.
Seu parceiro Donald Trump, com quem pretende se encontrar perto das eleições, está às voltas com a Justiça nos Estados Unidos, acusado formalmente de ter tentado um golpe de Estado ao não aceitar a vitória de Joe Biden para a Presidência. Bolsonaro vai pelo mesmo caminho, e o TSE e o STF já deram mostras de que não estão brincando ao confirmarem a cassação dos mandatos de dois deputados bolsonaristas por divulgarem fake news pela internet. Muitos começam a achar que ele está querendo ser cassado, para escapar de uma derrota que parece inevitável e poder alegar que está sendo perseguido pelo “sistema”.