Está ficando cada vez mais claro que enquanto os atores principais de nossa tragédia política usarem os instrumentos constitucionais a seu bel prazer, de acordo com suas conveniências momentâneas, não seremos um país normal, dedicado ao bem-estar de seus cidadãos.
Somos partícipes, na maioria dos casos impotentes, de uma tragédia, como me definiu a grande dama do teatro Fernanda Montenegro conversando sobre a situação atual: “Não é farsa, não é comédia, é pouco para drama. É uma tragédia”. A tragédia é que temos diversos exemplos de uso indiscriminado de soluções institucionais, muitas contraditórias entre si.
Por que Lula não deu sua opinião até agora sobre o indulto presidencial ao deputado federal Daniel Silveira? Simplesmente porque, além de ter negado a extradição do terrorista italiano Cesare Batistti, que havia sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal, o PT pretendia anistia-ló caso Haddad vencesse em 2018.
A negativa de extradição foi uma decisão claramente política, anos depois desmoralizada pelo próprio indultado, que confessou seus crimes à polícia italiana depois de preso fora do Brasil. O ex-presidente foi obrigado a admitir que cometera um erro.
O interessante é que o advogado de Batistti no STF era o hoje ministro Luis Roberto Barroso, que, anos mais tarde, iria impedir monocraticamente o então presidente Michel Temer de ampliar o indulto de Natal.
Para derrubar essa decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes foi um dos que votaram a favor do presidente da República, de quem fora ministro da Justiça e por quem foi nomeado para o STF. O ex-todo poderoso José Dirceu criticou à época o mesmo Supremo, dizendo estarmos em uma “ditadura da toga” quando o Supremo acha que pode limitar os poderes da Presidente da República consagrados na Constituição.
No caso atual, o Supremo começou errando ao abrir um inquérito sobre as fake news em que a Procuradoria-Geral da Republica não teve participação inicial, e o ministro Alexandre de Moraes foi designado pelo então presidente Dias Tofolli para relator sem que houvesse ao mínimo um sorteio entre os membros do STF. O fato de que as razões para tal inquérito eram abundantes, e que ele acabou revelando uma rede de fake news comandada de dentro do Palácio do Planalto, não invalida o começo inconstitucional dentro do tribunal que existe para definir o que é ou não constitucional.
Foi desse inquérito que surgiram figuras de marginais como o deputado Daniel Silveira, o blogueiro Allan dos Santos, hoje foragido e candidato a um indulto presidencial, e muitos outros que foram neutralizados, como a ativista Sara Winter. Mais uma vez, o pouco cuidado do STF com os rigores limitadores da legislação levou a que o mesmo Alexandre de Moraes, um dos principais alvos de Silveira, não se declarasse impedido de julga-lo no plenário no plenário.
Se assim fizesse, teria tirado de Bolsonaro e seus seguidores radicalizados pretextos que classificam de ilegais as decisões do STF. Agora, estamos em plena guerra de narrativas, sendo que os dois lados têm boas razões para defender a sua. O presidente da República tem o direito constitucional de dar a graça a quem ele bem entender, e não há como negar-lhe esse direito.
Em ambos os casos, as decisões foram personalizadas, um para um terrorista de esquerda, outro para um extremista de direita. Lula não tinha nenhum outro objetivo que agradar sua ala de esquerda radical.
O grave no caso atual é que a decisão do presidente da República foi uma clara confrontação com Supremo Tribunal Federal em manobra política que compõe quadro mais amplo de criação de ambiente belicoso para poder contestar as decisões do TSE e do STF em caso de derrota para Lula nas eleições de outubro.
Há quem defenda que o Supremo mantenha a inelegibilidade de Silveira, mas abra mão da pena de prisão indultada pelo presidente da República. Para isso, no entanto, a Câmara teria que aceitar a decisão do Supremo, abrindo mão do corporativismo. Daniel Silveira não é um herói, muito menos um Tiradentes, como o qualificou um político desqualificado aproveitando a data. Não vale uma crise institucional. Mas não é por ele que Bolsonaro luta, ele é apenas um pretexto.