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Não a Bolsonaro

 

A palestra do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), em que ele diz que tem de se medicar com Lexotan na veia para impedir que o presidente Bolsonaro tome uma atitude radical em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), é mais um desses absurdos que estão se tornando comuns no Brasil de hoje. Em qualquer país normal do mundo, com regras democráticas em vigor, seria um escândalo capaz de provocar a demissão do ministro ou o impedimento do presidente.

Quando diz, na mesma palestra, que o presidente Bolsonaro pode vir a sofrer um atentado fatal na campanha à reeleição, Heleno está criando um clima de suspeição que só favorece os que querem tumultuar a campanha. Por que Lula não pode sofrer também um atentado, diante da insensatez dos seguidores do bolsonarismo? O fato é que o presidente busca, até agora inutilmente, fazer uma ligação entre o atentado que sofreu na campanha passada e a atuação de partidos de esquerda, e essa advertência de Heleno é mais um ingrediente irresponsável nessa narrativa.

A cada pesquisa divulgada, uma coisa parece certa: há hoje um consenso no Brasil de que é preciso tirar Bolsonaro do governo. Depois se escolhe em quem votar. Se houver uma terceira via capaz de disputar o segundo turno, será fortalecida durante a campanha, e muita gente que hoje está com o ex-presidente Lula mudará de voto.

O movimento “nem Bolsonaro, nem Lula” parece mais fraco que o “não Bolsonaro”. Só que a terceira via não sai do lugar. Parecia que o ex-juiz Sergio Moro tinha se descolado dos outros, atingindo dois dígitos em algumas pesquisas, mas, se ficar tecnicamente empatado com Ciro Gomes, como mostrou a pesquisa do Ipec (ex-Ibope), e a soma dos demais mal chegar perto de Bolsonaro, a escolha natural para quem é contra ele acabará sendo Lula.

A votação registrada para Lula na pesquisa do Ipec, que dá a ele a possibilidade de vencer no primeiro turno, tem uma explicação. Parte dela está no pessoal que votou da mesma maneira em 2018 — naquela vez era antipetista e agora é antibolsonarista. Bolsonaro fez um governo tão desastroso que muita gente acha hoje melhor o PT, partido mais estruturado, organizado, que pode recolocar o país diante do mundo, com posições corretas no meio ambiente, por exemplo.

Apesar da ideologia, do temor de que a ala radical de esquerda predomine em alguns momentos, e apesar da corrupção, que já foi constatada, até condenada. Todos esses obstáculos existem também no governo bolsonarista, com o sinal trocado. Hoje, porém, parece ser mais urgente a questão da fome e do desemprego que o combate à corrupção, como aconteceu em 2018.

Com essas idas e vindas, o Brasil é um país que está em busca de um caminho, mas volta sempre para o anterior, e o futuro é sempre pior do que o presente. Essa polarização, se continuar assim, é um absurdo. Em 2018, houve uma conjunção de fatores — não era exatamente Bolsonaro quem todo mundo estava procurando. Era um candidato contra o PT e contra a desorganização partidária, contra a maneira como o Congresso negociava. Acabou dando no mesmo, até sendo pior, porque Bolsonaro é uma tragédia. Não que as emendas de relator sejam mais graves que o mensalão, como Lula diz. São maneiras distintas de comprar o apoio do Congresso, o que distorce a democracia.

O país está regredindo em todos os pontos, mesmo naqueles em que sempre foi pioneiro. Ainda tem muita coisa para acontecer, muita água para rolar, mas está ficando com cara de que sucederá o mesmo que em 2018. Todos os outros concorrentes ficando com 4%, 5%, e ninguém conseguindo chegar ao segundo turno. E Bolsonaro claramente em tendência de queda, se desmilinguindo.

Esse esvaziamento, no entanto, não está favorecendo ninguém da terceira via, apenas Sergio Moro parece estar ganhando terreno, mas, de acordo com o Ipec, nada que demonstre consistência. Temos de ver a pesquisa do Datafolha para confirmar o quadro do Ipec, ou se Moro aparece com dois dígitos, ou se algum dos outros candidatos se mostra capaz de reação. Se aparecer algum, pode seguir em frente; senão, a tendência é Lula ganhar no primeiro turno.

O Globo, 16/12/2021