O ciúme em Machado de Assis

No centenário de morte do escritor, a personagem Capitu ainda causa polêmica: traiu ou não traiu?

Eliane Lobato

Um verme asqueroso e feio / gerado em lodo mortal. / Morde, sangra, rasga e mina. / Aquele verme é o ciúme. Essa é a definição de Machado de Assis, no poema O verme, para o sentimento que corrói as relações amorosas e que perpassa grande parte de sua obra. No ano do centenário de sua morte (29 de setembro de 1908), a personagem-símbolo dessa comiseração sentimental, a Capitu do romance Dom Casmurro, renasce com todos os seus enigmas e ironias. A moça dos “olhos de ressaca” teria tido uma relação extraconjugal e levado o marido, Bentinho, a arder de ciúme e dúvida eterna. O crítico literário e professor da UFRJ Gustavo Bernardo relembra, em seu recém-lançado Contos de amor e ciúme – Machado de Assis (Rocco), que o primeiro romance do autor, Ressurreição, já exercita o medo da infidelidade. O protagonista, Félix, perde a bela Lívia por desconfiar de uma traição jamais comprovada. Nos contos selecionados, o amor é associado ao ciúme e ao medo da traição. Esse viés, no entanto, é acompanhado de ironias e serve de alegoria para reflexões existenciais.

Sobre a suposta traição de Capitu, Machado nunca se pronunciou. Parece que se divertia em observar a polêmica que se deu em sua época e que atravessou o século. No site de relacionamentos Orkut o debate está em mais de 100 comunidades nas quais jovens acusam Capitu de infiel, xingam Bentinho de “panaca” e reconhecem que esse é o maior dilema amoroso da literatura brasileira. Na enquete feita no mês passado pelo portal do Estadão, “Capitu traiu Bentinho?”, metade dos quase dois mil internautas disse que sim; os outros ficaram entre o “não traiu” e o “não sei”. Tudo isso sem falar no último imbróglio de infidelidade a atrair a atenção mundial: o ex-governador de Nova York Eliot Spitzer traiu a esposa ao se encontrar com prostitutas?

Um bom contraponto ao enigma machadiano é uma declaração do próprio escritor ao render um tributo de amor à sua mulher, Carolina Augusta Xavier de Novaes, com quem foi casado durante 35 anos. Organizador do livro Toda poesia de Machado de Assis (Record), Cláudio Murilo Leal diz que o poema para Carolina é o “mais pessoal e sofrido, um verdadeiro réquiem”. Machado, tudo indica, não era ciumento. Um dos nomes de maior importância na literatura brasileira, o carioca Joaquim Maria Machado de Assis terá seus livros relançados, entre os quais Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e O alienista, e será alvo de homenagens e debates – entre eles, claro, aquele sobre os enigmáticos “olhos de ressaca” de Capitu.

Outras Capitus

Cinema

A escritora Lygia Fagundes Telles e Paulo Emílio Salles Gomes adaptaram em 1967 a obra Dom Casmurro para o cinema

Literatura

O romance de Machado inspirou o autor Fernando Sabino. Ele reescreveu o drama da personagem em Amor de Capitu

Música

O compositor Luiz Tatit fez a canção Capitu, interpretada por Ná Ozzeti e também por Zélia Duncan

Revista Istoé (RJ) 30/3/2008