A revelação de que o Facebook estimulava o compartilhamento de notícias cujos conteúdos geravam reações mais emocionais e provocativas nos usuários, por meio dos emojis que representavam as sensações pessoais ao lê-las, especialmente os que mostravam uma cara avermelhada de raiva, não apenas confirmou que durante anos Mark Zuckerberg e sua equipe manipulavam os usuários da rede social, como abriram um caminho vicioso para as campanhas políticas, até hoje explorado.
Os documentos vazados por uma ex-funcionária mostram que, a partir de 2017, cada reação emocional recebia de quatro a cinco pontos em relação à curtida, mas a raivosa era a que tinha maior pontuação. O Facebook compreendeu que a reação emocional tinha maior potencial de engajamento, fazendo o usuário passar mais tempo na rede social.
O sociólogo Manuel Castells, um dos maiores especialistas em redes sociais, já havia detectado, anos atrás, que o medo é a emoção primária fundamental, a mais importante de nossa vida a influenciar as informações que recebemos. As descobertas mais recentes da neurociência já definiram que o eleitor vota mais com a emoção do que com a razão, e agora o politólogo Giuliano da Empoli, que lidera o think tank Volta, de Milão, e é professor da Sciences Po, de Paris, em artigo recente no Le Monde sobre o candidato de extrema-direita Éric Zemmour, adverte que o extremismo não é um instrumento para atingir seu limite, mas sim um estimulante que pode levá-lo mais longe na política francesa.
Os novos líderes populistas, diz Giuliano da Empoli, não têm como objetivo unir eleitores em torno de pequenos pontos comuns, mas excitar as paixões do maior número de pequenos grupos. Os que consideram Zemmour “muito radical” ou “muito divisivo” para aspirar a um segundo turno, ou mesmo ao Palácio do Eliseu, não se dão conta, segundo ele, de que o mundo mudou com as novas plataformas digitais de informação, que dão mais destaque ao impacto imediato da notícia, sem se importar com sua veracidade.
Para Giuliano da Empoli, já não se trata mais de encontrar um denominador comum no eleitorado, pois, a fim de alcançar uma maioria, eles não buscam a convergência ao centro, mas inflamar os extremos, porque sabem que, em determinados momentos históricos, as minorias intolerantes prevalecem. Cada vez que Zammour, ou qualquer outro líder extremista como nosso Bolsonaro, provoca um escândalo com uma afirmação controvertida, quer seja a negação de um fato histórico ou uma insinuação contra as vacinas, galvaniza seu núcleo duro de apoiadores e envia uma mensagem aos outros extremistas.
Na análise de Giuliano da Empoli, mesmo sem querer, os oposicionistas e a grande mídia ajudam nesse processo. A ênfase com que criticam as provocações amplia a repercussão e acabam por normalizá-las. A reação indignada das elites confirma, por outro lado, a característica antissistema desse político. Se tudo o que diz provoca a cólera das elites, então tem razão.
A análise do politólogo Giuliano da Empoli sobre a onda extremista de direita na França e em países da Europa pode ser estendida ao que acontece aqui. É sabido que o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump é não apenas o pioneiro das estratégias digitais numa campanha eleitoral distorcida, como que a direita internacional tem tido um comportamento homogêneo no uso político dos novos meios digitais, seguindo orientações do estrategista Steven Bannon.
Quando o presidente Bolsonaro divulga uma barbaridade, como que a vacinação contra a Covid-19 aumenta a possibilidade de contrair Aids, ele está simplesmente criando uma controvérsia para estimular seus seguidores e provocar o establishment. Segundo Da Empoli, a cólera e os algoritmos são uma mistura explosiva na política de hoje. Se esse comportamento se confirmar, um candidato moderado da terceira via, contra Lula e Bolsonaro, poderá ter dificuldade para se impor, da mesma maneira que aconteceu em 2018.