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Pátria amada

 

Quando eles ganharam, a maioria da população os tinha escolhido, vamos respeitar. Agora o que lhes falta é justamente respeito

Quem quiser que não se importe, ninguém é obrigado. Mas já estamos a menos de um ano das eleições de 2022, a campanha já começou em uma porção de sentidos. E quem a inaugurou, desde que assumiu, foi o próprio presidente, que não pensa e nunca pensou em outra coisa. O que você acha que ele anda fazendo, às custas de dinheiro público, a semana inteira a visitar cidadezinhas do interior, sobretudo no Nordeste? Há sempre o pretexto de uma inauguração qualquer, mas no fundo o discurso é sobre o que ele já fez e quer continuar a fazer pelo Brasil. Como esse Auxílio aos que necessitam, cruel mentira na economia do país. E nós, fazemos o quê?

Quando digo “nós”, estou me referindo a todos aqueles que, como eu, não aguentam mais viver o horror cotidiano destes tempos bolsonaristas tão cruéis. O pior é que o presidente pode até desaparecer por trás de um desastre eleitoral. Mas os bolsominions, os bolsoasnos, os bolsonaristas, enfim, continuarão por aí, como um partido a defender um passado que nunca existiu e a nos prometer um futuro que não passa de um passado que nunca admiramos.

Não podemos mais nos comportar como pensadores serenos, serenos intérpretes do que achamos ser o Brasil de verdade, as raízes que imaginamos proteger. Não queremos a democracia porque ela sempre embalou nossos sonhos e as histórias da Carochinha que, mal acordados, ouvíamos contar. Queremos a democracia porque acreditamos no vigor criativo de cultura e de riqueza provocadas pela liberdade de expressão, pela igualdade de oportunidades, pelo direito que todos têm à felicidade, para sermos iguais perante a lei e o rei. A democracia que desejamos experimentar como se vai a uma festa, a um carnaval de todos.

Como os bolsonaristas não pensam assim, vai ter que ser nós contra eles, não tem mais jeito, chega de tanta finura no embate. Na última eleição, não votei no vencedor porque não voto em quem celebra torturador. Mas não achei o fim dos tempos quando eles ganharam, a maioria da população eleitora os tinha escolhido, o que se há de fazer, vamos respeitar. Agora o que falta a eles é justamente respeito. Não me importam as ameaças de quem só sabe reclamar do que somos e pretendemos ser, uma gente fina de fuzil na mão, com a ideia voltada contra tudo que é bom. Sem samba não dá. Mas eles ficam logo nervosos e bem violentos, perdem a paz quando ouvem a cuíca roncar.

Todo cinema nacional é o retrato de uma nação, deve ser tratado como o espelho de um povo. Um país sem cinema é um país que não se conhece. E ninguém o reconhece. O governo nos deu um alento quando recentemente decidiu levar a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) para a gestão temporária da instituição. Torço para que fiquem. A Cinemateca Brasileira tornou-se uma bandeira, “último bastião depositário de nossas identidades, com textos e imagens do século XX até os dias de hoje”, como diz o cineasta Roberto Gervitz, um líder da comunidade no empenho bem-sucedido.

Fazemos filmes que eles nunca nos ajudariam a fazer. Não somos e nunca seremos esquecidos, porque corremos atrás do que somos. Já o destino deles, segundo Paulo Sérgio Almeida, outro cineasta, será serem esquecidos dentro de um ano e pouco, até terminarem as eleições e eles deixarem a sopa. Não faz mal, os bolsonaristas só se interessam mesmo pela técnica das fake news ensinada desde a eleição de Trump: dissolver a fronteira entre a verdade e a mentira, para que possam nos enganar sobre o que se passa. Foi assim que provocaram a morte de milhares de brasileiros chatos, cujas famílias reclamavam tanto, o tempo todo, durante a crise da Covid. Uma maioria feia, pobrezinha e sem importância alguma, como é todo e qualquer povo para eles.

O Globo, 24/10/2021