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Crise anunciada

 

O ano eleitoral promete ser desastroso para a economia brasileira, a medir pelas decisões populistas que o governo Bolsonaro encomendou ao Ministério da Economia e que o favorito na eleição, o ex-presidente Lula, rebateu para o alto. O novo Auxílio Brasil será de “no mínimo” R$ 400 até dezembro de 2022, garantiu Bolsonaro. Ser mais explícito de que se trata de uma tentativa de compra de votos em troca de auxílio para as camadas mais pobres da população, não é possível. Lula aprovou, disse que o “povo merece”, mas criticou: deveria ser mais, de no mínimo R$ 600.

Quem duvida que a base parlamentar do Centrão se aproximará desse montante, para não dar chance a Lula de se aproveitar do novo Bolsa Família para fazer mais promessas vãs? Não há dinheiro disponível para tamanha bondade que, embora necessária, deveria ter sido planejada desde o início do governo. Não é surpresa para ninguém que o governo Bolsonaro queira sequestrar para si os benefícios de programa social tão bem-sucedido, assim como Lula fez com os programas sociais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A junção dos cadastros dos programas sociais coordenados por Ruth Cardoso era o passo natural a ser dado, e a justificativa para tal está no próprio projeto que criou o Bolsa Família, que se refere explicitamente aos programas já em curso que foram reunidos. A questão não é a necessidade de programas desse tipo, nem mesmo sua ampliação para milhões de famílias. O que assusta é como esse projeto está sendo conduzido, sem nenhum planejamento econômico que permita sua fixação em bases sólidas.

Com a economia em frangalhos, fruto da irresponsabilidade fiscal do último governo petista e da incompetência deste governo, aumentamos o número de desempregados e desassistidos, e a solução é uma pedalada no teto de gastos com data marcada nas urnas. Reeleito, Bolsonaro pode tentar organizar a bagunça que promoverá. Derrotado, deixa para o sucessor uma crise financeira ainda maior. Se esse sucessor for o ex-presidente Lula, temos contratado um estelionato eleitoral, pois não será capaz de manter nem mesmo os R$ 400 que Bolsonaro deixará como herança maldita, quanto mais os R$ 600 que ele irresponsavelmente promete.

E quais são as chances de Bolsonaro se reeleger? Segundo a consultoria Eurasia, num trabalho que reuniu 224 eleições em que incumbentes concorreram à reeleição, é raro que eles não cheguem ao segundo turno. Apenas em 7% dos casos isso aconteceu. No caso de Bolsonaro, no entanto, a chance de não passar do primeiro turno é mais alta, de cerca de 20%, devido a sua baixa taxa de aprovação “ótimo ou bom”. Ele tem no momento entre 25% e 30% de aprovação e, de acordo com uma tabela que a Eurasia montou com base em 300 eleições compiladas pela Ipsos Public Affairs, Bolsonaro teria que chegar a 40% nos seis meses antes da eleição para ir ao segundo turno e ter condições de vencê-la.

A Eurasia analisa que certamente Bolsonaro tem chances de se recuperar, seus eleitores são muito leais — cerca de 48% afirmaram numa pesquisa de opinião do PoderData que não consideram alternativa que não seja ele, enquanto apenas 18% dos eleitores de Lula dizem o mesmo. Os analistas da Eurasia indicam que é mais importante saber como irá a economia do que quem será o candidato da terceira via.

A Eurasia acredita que dificilmente Bolsonaro cairá do nível de aprovação que tem hoje, apesar de riscos econômicos como inflação persistente, crise energética e crescimento baixo. Para manter o nível de aprovação e crescer a ponto de garantir a ida para o segundo turno com chances de vitória, no entanto, Bolsonaro tem no Auxílio Brasil a chave, embora, paradoxalmente, o sucesso do novo benefício, furando o teto de gastos, possa ser também a debacle econômica final de seu governo, com a perda de confiança dos investidores, aumento da inflação corroendo os programas sociais e impossibilitando o combate ao desemprego.

O Globo, 21/10/2021