s.f.
1. Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais.
s.2g.
2. Contexto em que asserções, informações ou notícias verossímeis, caracterizadas pelo forte apelo à emoção, e baseadas em crenças pessoais, ganham destaque, sobretudo social e político, como se fossem fatos comprovados ou a verdade objetiva.
adj.2g.2n.
3. Diz-se de política, era, etc. caracterizada pela pós-verdade (2).
“A explicação da palavra pós-verdade de acordo com o Oxford é de que o composto do prefixo ‘pós’ não se refere apenas ao tempo seguinte a alguma situação ou evento – como pós-guerra, por exemplo –, mas sim a ‘pertencer a um momento em que o conceito específico se tornou irrelevante ou não é mais importante’. Neste caso, a verdade. Portanto, pós-verdade se refere ao momento em que a verdade já não é mais importante como já foi.”1
“Pela definição do dicionário [Oxford], pós-verdade quer dizer ‘algo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência para definir a opinião pública do que o apelo à emoção ou crenças pessoais’. Em outros termos: a verdade perdeu o valor. Não nos guiamos mais pelos fatos. Mas pelo que escolhemos ou queremos acreditar que é a verdade. (...) O terreno da internet tem se revelado fértil para a propagação de mentiras – sempre interessadas –, trincheira dos haters. Levamos tanto tempo para estabelecer uma visão ‘científica’ dos fatos, construir a isenção do jornalista, a independência editorial e, de repente, vemos que o debate político se dá entre ‘socos e pontapés’. A pós-verdade arrasta a política, o jornalismo, a justiça, a economia, a nossa vida pessoal...”2
“Segundo Braga (2018, p. 205), o fenômeno das fake news pode ser entendido como ‘a disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias sabidamente falsas com o intuito de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica’. Por essa ótica, pode-se considerar que há, por parte do(s) sujeito(s) que veicula(m) tais notícias, uma certa vontade de desinformar o seu interlocutor e levá-lo, ao menos potencialmente, a um estado de dissuasão referente à sua disposição de espírito anterior acerca de qualquer assunto. Em contrapartida, Christian Dunker (2017) acentua que: [...] alguns consideram que o discurso da pós-verdade corresponde a uma suspensão completa de referência a fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões tornadas verossímeis apenas à base de repetições, sem confirmação de fontes. Penso que o fenômeno é mais complexo que isso, pois ele envolve uma combinação calculada de observações corretas, interpretações plausíveis e fontes confiáveis em uma mistura que é, no conjunto, absolutamente falsa e interesseira (DUNKER, 2017, p. 38). Há nesses discursos, por assim dizer, enunciados comprovadamente verdadeiros, relação a fatos efetivamente comprovados, interpretações plausíveis, induções verossímeis, o que confere ao fenômeno da pós-verdade traços para além da velha mentira política.”3
“O que se acentua na era da pós-verdade, entretanto, é a indisponibilidade ao diálogo entre as distintas opiniões, pela consideração, valorativa, por certo, de já se conhecer a ‘única verdade possível’ sobre determinada questão. Isso se dá devido à existência de um conjunto de vieses cognitivos, dentro dos quais o viés de confirmação, a saber, a tendência em tratar, preferencialmente, as informações que confirmem nossas crenças em detrimento das que as invalidam (BRONNER, 2013). A pós-verdade evocaria, assim, um autoritarismo da interpretação, que impele os sujeitos a já predisporem de determinada leitura cativa dos fatos, rejeitando o que distingue, compartilhando o que assemelha, sem maiores reflexões acerca do que ali é informado como verdade. Há, portanto, algo de bastante retórico, não meramente pela questão da (im)persuasão possível de ser observada nesse fenômeno, mas, sobretudo, pelo caráter retórico desde a percepção da realidade, pelo movimento cognitivo e argumentativo de seleção do que se divulga e do que se rejeita.”4
“De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da organização [Oxfam Brasil], ‘o governo atual se especializou em disseminar o pós-verdade para eximir-se da responsabilidade pelos graves problemas que o país enfrenta, e isso em nada contribui para que tenhamos as soluções necessárias’.”5
“O semanário The Economist deu a capa de sua última edição para uma interessante reportagem sobre a política ‘pós-verdade’. Ilustra o conceito com Donald Trump afirmando que Barack Obama é o criador do Estado Islâmico e a campanha do Brexit dizendo que a permanência do Reino Unido na União Europeia custa US$ 470 milhões por semana aos cofres britânicos. Não é preciso mais do que alguns neurônios e um computador para descobrir que ambas as afirmações são falsas, mas, ainda assim, elas properaram.”6
Para o Dicionário Oxford, pós-verdade (eleita a palavra do ano de 2016 pela equipe deste dicionário) é um adjetivo que significa ‘relacionado a ou que indica circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal’.
Segundo este dicionário, o vocábulo pós-verdade já existia desde a década anterior, mas houve um aumento na frequência de uso no ano de 2016, no contexto do referendo de saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e da eleição presidencial nos Estados Unidos. E o prefixo “pós”, em pós-verdade, não se refere a ‘tempo posterior’ mas a ‘tempo em que o conceito especificado [verdade] tornou-se sem importância ou irrelevante’. Essa acepção parece ter se originado em meados do século XX, em formações como pós-nacional (1945) e pós-racial (1971).
Acredita-se que a palavra pós-verdade tenha sido empregada pela primeira vez neste sentido em um ensaio de 1992 do falecido dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich na revista The Nation. Refletindo sobre o escândalo Irã-Contras e a Guerra do Golfo Pérsico, Tesich lamentou que “nós, como um povo livre, decidimos livremente que queremos viver em um mundo pós-verdade”. Há evidências de que o vocábulo pós-verdade tenha sido usado antes do artigo de Tesich, mas aparentemente com o significado de ‘depois que a verdade foi conhecida’, e não com o novo sentido de que a própria verdade se tornou irrelevante.
Em 2004 foi lançado o livro The Post-Truth Era, de Ralph Keyes, e em 2005 o comediante americano Stephen Colbert popularizou uma palavra informal relacionada ao mesmo conceito: truthiness, definida pelo Dicionário Oxford como ‘a qualidade de parecer ou ser percebido como verdade, mesmo que não seja necessariamente verdade’. A pós-verdade estende essa noção a uma característica geral de nossa época.
OXFORD Languages. Word of the Year 2016. Oxford University Press. Disponível em: https://languages.oup.com/word-of-the-year/2016/. Acesso em 22 out. 2020.
POST-VERITÀ. In: ISTITUTO TRECCANI. Vocabolario Treccani. Disponível em: https://www.treccani.it/vocabolario/post-verita_res-65be68bc-89ea-11e8-a.... Acesso em: 20 jun. 2021.
POSVERDAD. In: REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la lengua española. Edición del Tricentenario. Actualización 2020. Disponível em: https://dle.rae.es/posverdad. Acesso em: 20 jun. 2021.
1 MERELES, Carla; MORAES, Isabela. Notícias falsas e pós-verdade: o mundo das fake news e da (des)informação. Politize!, 16 set. 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/noticias-falsas-pos-verdade/. Acesso em 22 out. 2020.
2 LATGÉ, Luiz Cláudio. O mundo pós-verdade. O Globo, 23 nov. 2016. Opinião. Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/o-mundo-pos-verdade-20522515. Acesso em: 20 jun. 2021.
3 SEIXAS, Rodrigo. A retórica da pós-verdade: o problema das convicções. EID&A – Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n. 18, p. 122-138, abr. 2019. DOI dx.doi.org/10.17648/eidea-18-2197.
4 Idem, ibidem.
5 MONITOR MERCANTIL. Bolsonaro mente na ONU. Monitor Mercantil, 22 set. 2020. Disponível em: https://monitormercantil.com.br/bolsonaro-mente-na-onu/. Acesso em: 20 jun. 2021.
6 SCHWARTSMAN, Hélio. A era pós-verdade. Folha de S.Paulo, 13 set. 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2016/09/1812643-a.... Acesso em: 20 jun. 2021.