“Há algo no ar além dos aviões de carreira”
( Barão de Itararé)
No dia 2 de julho de 2012, dois caças supersônicos Mirage F-2000 da Força Aérea Brasileira sobrevoaram a Praça dos Três Poderes tão baixo que estilhaçaram todos os vidros do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). O fato se repetiria, não em forma de acidente, caso o desejo do presidente Bolsonaro se realizasse.
Irritado com uma decisão do Supremo, o presidente revelou a pessoas próximas que gostaria de dar um susto nos ministros, fazendo com que os novos caças Gripen dessem um voo rasante sobre o prédio. O mais próximo disso aconteceu no dia 21 de outubro do ano passado, quando os novos F-39E Gripen foram apresentados em voo sobre a Esplanada dos Ministérios, sendo ouvidos na sala em que o hoje ministro do STF Nunes Marques estava sendo sabatinado pelo Senado.
O desejo do presidente não foi atendido, em mais um episódio do que está sendo conhecido nos meios militares como bullying de Bolsonaro, que quer impor suas vontades às Forças Armadas. Os generais do Alto-Comando do Exército, reunidos ontem para debater a situação da indisciplina do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, decidiram não anunciar a decisão no momento.
Aproveitarão o feriado para amadurecer a tendência de puni-lo, em clima de indignação com a atitude do presidente de proteger seu ex-ministro da Saúde, em claro confronto com a instituição a que pertence. Embora o vice-presidente Hamilton Mourão tenha falado que a nomeação de Pazuello como assessor diretamente ligado ao presidente na secretaria de Assuntos Estratégicos não interferirá na sua punição, que ele defende, ela é um recado do presidente ao Exército.
Evidente que um general da ativa investigado por indisciplina não poderia ser nomeado para nenhum cargo, muito menos um diretamente ligado ao presidente da República, a menos que ele queira protegê-lo e impor sua condição de comandante em chefe das Forças Armadas para pressionar o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira.
Bolsonaro não tem limites e não respeita nada nem ninguém. Ou você o aceita como é, ou será confrontado sempre, não apenas o STF, o Congresso, mas até as instituições militares a que ele é ligado, sempre marcado por indisciplina e insubordinações. A visão dele da Presidência da República é totalitária, acha que pode mandar em todo mundo. Caso Pazuello não seja punido, podem começar a surgir manifestações em escalões inferiores das Forças Armadas, que sempre foram proibidas.
Há um movimento muito claro de insubordinação incipiente, mas preocupante, nas polícias militares, como no caso do guarda de Goiás que queria obrigar um civil a tirar do carro um adesivo de “Bolsonaro genocida” e foi afastado. Em Pernambuco, o comandante da PM caiu, depois da violência excessiva contra manifestantes que estavam nas ruas contra o presidente. Cenas recentes de formatura de turma da Polícia Federal em tons marciais e pronunciamentos de coronéis da PM do Distrito Federal usando o mesmo slogan de Bolsonaro —“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”— reforçam a sensação de que a influência bolsonarista nos quartéis está se alastrando. Se a atividade política for liberada implicitamente, a chance de acontecer uma crise atrás da outra é grande. Até porque Bolsonaro incentiva a participação de militares na política.
Se Pazuello for punido, e se Bolsonaro cancelar a punição, estará desmoralizando o comandante do Exército. Já tivemos graves crises por causa de indisciplina militar, de embates entre presidentes da República e o Exército. A crise de 1955 é a mais clara, quando o general Lott, ministro da Guerra, reagiu contra um coronel que, mesmo à paisana, fez um discurso num velório contra a posse de Juscelino Kubitschek, recém-eleito presidente da República.
O coronel Bizarria Mamede acabou preso, e sua prisão gerou uma crise política que derrubou presidentes, até que Juscelino tomasse posse no tempo correto. Há ainda uma dúvida jurídica se o presidente da República, na condição de comandante em chefe das Forças Armadas, tem capacidade, pela Constituição, de interferir numa questão disciplinar de uma das Forças, que têm suas próprias regras e comandantes. Há quem considere que ele pode apenas indultar o punido, pois, no caso de um general de divisão, nem mesmo anistiar poderia, pois a anistia só pode ser concedida a cidadãos comuns, não a funcionários do Estado. Tomando esse caminho tortuoso, Bolsonaro estaria buscando uma crise institucional.