Meu projeto com os dinossauros foi um grande fracasso, eu sei. Quase me acabei de depressão. Mas vou começar essa história do princípio.
Depois de sete dias de trabalho insano, quando acabamos de criar o Universo, o pessoal trabalhador contemplou a lindeza do que havia sido feito. Todos se abraçaram, comedidos mas orgulhosos do que me haviam ajudado a construir. Me retirei, deixando anjos e benzedeiras colados no Arcanjo Gabriel, que discursava um elogio à Via Láctea cheia de beleza e de mistérios. O fruto celestial preferido do pessoal mais desbundado que trabalhara conosco.
Por enfado de elogios e necessidade de reflexão, sentei-me sobre uma pedra, em planalto deserto de modesto satélite natural, para observar o que havia acabado de criar. De repente, bati os olhos num planetinha azul, equilibrado numa ponta da Via Láctea, coberto de nuvens brancas, como um colar de pedras voláteis. Tive então a ideia maldita de criar ali os bichos que iriam realizar meu sonho de uma sociedade perfeita, formada pelos animais mais majestosos de minha criação. Eles construiriam, no subúrbio da Via Láctea, um paraíso de liberdade e fraternidade, onde ninguém nunca morreria de fome ou de tédio, as fraquezas letais do ser. Uma coisa que ainda não se chamava democracia mas que sempre existiu, desde sempre, na cabeça de todos os que iam viver com semelhantes no mundo que acabávamos de inventar.
Como já eram muitos e não tínhamos mais como feri-los um a um, resolvi mandar uma pedra de fogo que, caindo sobre o planeta, acabou de vez com o erro que eu havia cometido, o mal que tinha inventado. Nada sobreviveu ao fogo celeste. Nem os dinossauros, de cujo esperma muitos dizem que os seres humanos são feitos.
Passei séculos, milênios, um montão de tempo deprimido, a contemplar o planeta azul, criado com tanto gosto e empenho, sem saber o que fazer com ele. Só saí da depressão graças, mais uma vez, a Gabriel. O Arcanjo me sugeriu inventar outro animal, dessa vez à minha imagem e semelhança. Desse jeito, ficava tudo sob controle, pelo resto da eternidade. Criei então o homem e a mulher, com muita alegria e a esperança de que agora tudo desse certo.
A experiência com os humanos ainda não acabou e, se bobear, pode até dar certo. Essa terra de vocês, por exemplo, foi regada, debaixo de muita porrada, com o sangue dos outros. E, para vocês, todos são os outros, os que vieram para ocupá-la — marginais europeus, índios massacrados, negros trazidos da outra margem do Mar Tenebroso, para que se roubasse deles um novo jeito de viver, a provar que só cultivando as diferenças a Humanidade pode ser uma só. Se todo mundo cantar o mesmo samba, esse é o mundo que pode dar certo.