O tempo é uma invenção dos homens. O que existe é a eternidade, sem começo nem fim. Mas o homem resolveu marcar a vida pelos anos. Nós, cristãos, pelo nascimento de Cristo, há 2020 anos, menos que uma gota de água na imensidão dos dias e das noites. Os judeus têm o seu calendário, os chineses idem, e nós este que seguimos, chamado de gregoriano porque foi São Gregório que conseguiu esta fórmula de 28 dias em fevereiro, de quatro em quatro anos 29 e meses de 30 e de 31 dias, tudo de modo a fechar a rotação da Terra em torno do Sol nos 365 dias e ¼ de um ano.
Hoje, na sociedade digital, da comunicação em tempo real, a gente tem a impressão de que há uma compressão do tempo, porque tudo passa rápido e a gente sabe de tudo enquanto acontece. O ano passa como um raio e quando a gente pensa que é janeiro já é setembro e logo acaba um ano e começa outro. Aqui no Brasil querido, não se conta os anos por primavera, verão, outono e inverno. É Natal, Carnaval, Quaresma, São João, julho das férias, Semana da Pátria, feriado gostoso de meio de semana que a enforca toda, Finados e dezembro com os sinos do Natal que começam a tocar em outubro. E o ano acabou e começa tudo de novo.
As mulheres não gostam muito de conhecer o fim dos anos. Eu tinha uma tia solteirona, velha, que tomava conta da casa de um tio avô. Um dia, seu aniversário, perguntei-lhe: “Manana — era seu nome —, quantos anos a senhora está fazendo?” Ela me tomou pelo braço, entrou no quarto e me disse: “72 anos, agora vai dizer lá fora, seu abelhudo.”
Eu tinha um amigo cuja família toda se preparou para comemorar os seus 70 anos. Data redonda, que marca a vida de todos nós, porque a partir daí começa a velhice mesmo. Ele se recusou a fazer 70 e proibiu a família de falar nisso. Uns dois anos depois — éramos muito amigos e vizinhos — seus filhos me procuraram: “Tio Sarney, veja se papai aceita completar 70 anos, nós estamos com a festa feita já há três.” Não houve jeito. Nunca revelou a idade e, quando se fazia o livro da biografia dos senadores, seu maior cuidado era ir à Gráfica do Senado e subtrair uns dois anos.
A verdade é que é muito bom fazer aniversário e assistir a mudança de ano. Saulo Ramos, meu querido amigo, sempre dizia: “A outra solução é pior. Melhor é confessar!”
Em São Bento tinha um senhor muito respeitado que era casado com uma viúva que tinha uma enteada balzaquiana. Dizia-se que vivia com as duas. Mexerico da cidade. Uma doida, dessas que antigamente perambulavam pelas ruas, cantando, chegou na sua porta no fim do ano e começou a cantar e dizer palavrões: “Sua velha devassa, vá embora…” Ela, Georgina, não se fez de rogada: “Seu Abílio, o senhor que dorme com a mãe e beija a filha, dorme com a filha e beija a mãe, diz que eu que sou devassa! Agradeça o ano que passou e vá à missa…”
Todos souberam na cidade que a Georgina não era tão doida como parecia. Milagre do Ano Novo.
Feliz Ano Novo a todos os de boa vontade! Deus conosco com a vacina — e felicidade!