Vivemos num mundo em transformação. A sociedade digital mudou tanta coisa que isso atingiu o nosso modo de pensar. O aspecto mais discutido é o que se chama de 'a morte da verdade'. São tantas versões sobre um fato que não se sabe qual é a verdade.
Este problema não é novo. Sempre foi uma questão fundamental e está no centro do Evangelho. Pilatos pergunta a Cristo: 'Tu és rei?' Jesus diz que veio para dar 'testemunho da verdade', e Pilatos retruca: 'O que é a verdade?' O que acontecia era que falavam 'línguas' diferentes: Jesus, a de Deus; Pilatos, a do poder.
Agora nos deparamos com o problema do testemunho, ou melhor, das testemunhas. Querem que elas digam a verdade, mas a verdade é que, para elas, já não existe a verdade. A verdade é uma abstração, algo que lhes querem impor com nomes que lhes são alheios, como fatos, ciência, até mesmo mostrando-lhes gravações com uma imagem em que não se reconhecem. Ora é uma coisa que não foi dita para valer, foi dita para dizer o que querem ouvir.
Além da mentira, há o caso do mentiroso: mente quem diz a mentira ou quem construiu a mentira? Pelo menos é o que está lá no Montaigne: 'Eu sei que os gramáticos distinguem dizer mentira de mentir; e dizem que dizer mentira é dizer coisa falsa, mas que se pensa que é verdadeira.' Como a definição da palavra em latim quer dizer ir contra sua consciência 'isso só toca àqueles que dizem o contrário do que sabem'.
Mas acrescenta que mentir é 'um vício maldito, pois somos homens e só temos uns aos outros pela palavra'; e que depois que se começa a mentir é difícil parar. 'Se, como a verdade, a mentira só tivesse uma face, estaríamos em melhores termos. Porque tomaríamos por certo o contrário do que diria o mentiroso. Mas o contrário da verdade tem cem mil rostos e um campo indefinido.'
Assim vai andando a verdade, quer dizer, a mentira. Pois o mentiroso diz o que sabe que é falso, mas quando acha que o que é verdadeiro é falso, não sabe o que dizer, se a falsa verdade ou a verdadeira mentira. E eu podia terminar com o Padre Vieira: 'Finalmente, reduzindo todo o discurso, ou discursos: mentem as línguas, porque mentem as imaginações; mentem as línguas, porque mentem os ouvidos; mentem as línguas, porque mentem os olhos; e mentem as línguas, porque tudo mente, e todos mentem.'
Mas, hoje, quando a sociedade se pauta pela rede social e admite várias versões da verdade, pode parecer que não se sabe mais onde está a verdade; no entanto a verdade, aquela que não é versão, mas fato, existe.
Eu mesmo sei uma verdade incontestável: o Brasil precisa vacinar toda a sua população, seguir as recomendações dos cientistas e salvar vidas. Pois há vidas a serem salvas, e com elas o País tem obrigações.
Não é especulação filosófica ou um jogo de palavras. É a realidade que estamos vivendo.