Primeiro é bom ressaltar que a “crise” (usa-se tão amiúde o vocábulo que ele acaba por perder o significado) começou a se manifestar antes de o maldito vírus ter sido percebido entre nós. Nisso me refiro à “crise econômica”, não à política, que parece ser permanente em nosso caso. Mas o certo é que o mar tranquilo no qual navegaram os governos de Lula e, parcialmente, de Dilma, perdeu-se no passado, antes da pandemia, apesar dos esforços corretos do governo Temer.
Com isso, não quero dizer que o governo Bolsonaro seja “o” responsável pelos descaminhos pelos quais passa a economia brasileira. A questão é mais complicada, depende de vários fatores, alguns internacionais. Tampouco seria correto imaginar que a pandemia seja “a causa” do fraco desempenho da economia. Este a antecedeu.
Mas, convenhamos, é muita má sorte do país ter de enfrentar, além da epidemia, uma economia trôpega, com exceção apenas do setor agrícola. Este já ia indo bem e assim continua, pelo menos quanto às exportações. Pior, aos maus ventos anteriores somou-se o apego popular por um líder que não chega a ser populista, mas está parecendo haver-se sentado em uma cadeira na qual não se sente bem, ou não foi preparado para ela, apesar dos anos de Câmara. Os tempos de “baixo clero” fazem-no custar a se adaptar a situações novas. Coisas da democracia.
Melhor aguentar quem hoje manda — o quanto seja possível — e preparar candidatos para as próximas eleições que possam bem desempenhar a função presidencial. Enquanto isso não ocorre, aproveitemos o tempo para treinar civicamente o eleitorado. Ingenuidade? Talvez. Mas sem certa dose de otimismo corre-se o risco de jogar fora não só a água do banho, mas a criança, a democracia.
Quousque tandem? Perguntava Cícero na antiga Roma. Vale repetir a pergunta: até que ponto os “mimimi” de Bolsonaro serão suportáveis? Ninguém sabe ao certo, e ele pode dar a volta por cima. Em larga medida, depende não só da paciência do povo, mas dele próprio, Bolsonaro, manter seus “fiéis” e também conter seus impulsos de franqueza autoritária. Do ponto de vista político, mais do que tudo, depende de quem vocalize o “outro lado”. Por enquanto, o que se vê é uma mídia quase unânime na crítica à falta de condições de quem nos governa para manter um mínimo de coerência na ação. É muito, mas é pouco. Enquanto não aparecer alguém com força para expressar outro caminho viável, o atual presidente leva vantagem.
Não é novidade que o sistema de partidos, por si, perdeu a capacidade de guiar as escolhas populares. Daí que o que aparece como “personalismo” acaba por ser condição necessária para se sair da paralisia em que nos encontramos. E, enquanto houver democracia e liberdade de opinião, o verbo conta. As falas, por enquanto, não chegam a ser ouvidas pelos eleitores. Há, sim, murmúrios no povo, mas não ainda contra quem governa, e sim contra a difícil situação de vida.
De imediato, o que interessa é a saúde. Logo depois será o emprego. Os dados recentes, mostrando um encolhimento de 4,1% no PIB, somam-se ao aumento consequente do desemprego, que vinha de antes. Se já havia 12% de desempregados, agora, não se trata apenas de serem 13% ou 14 %, mas de que a economia não dá sinais de vida para absorver cerca de 25 milhões de pessoas, somando-se aos que procuram trabalho os “inimpregáveis”. É muita gente. Terminada a pandemia (oxalá!), daremos de encontro com a insuficiência da economia para abrigar a muitos, principalmente os de menor qualificação.
É disso que precisamos: de alguém que indique um caminho de superação e permita voltarmos a acreditar em nós próprios. E cujas palavras e ação não se percam na retórica chinfrim, mas anime muitos outros mais a dar vida ao que se propõe. Que se reinvente nosso futuro.