De uma maneira ou de outra, o Ministério da Defesa sempre fez parte de um xadrez político, desde que foi criado para explicitar a subordinação dos militares ao poder civil, no segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Mas esta é a primeira vez em que se usa o ministério para tentar reforçar a prevalência das Forças Armadas sobre o poder civil, como uma forma de pressão política beirando um autogolpe.
O ex-presidente Temer já havia nomeado um militar para o cargo, quebrando a série de civis, o que representou um retrocesso, mas Bolsonaro coloca o Ministério da Defesa como estratégico para reforçar o poder militar, a que presta homenagem a todo momento, inclusive dando mais verba para o setor do que para educação e saúde. Mas quer lealdade cega em troca.
No jogo de xadrez político de uma reforma ministerial em que Bolsonaro e o Centrão procuram se anular reciprocamente, a mudança mais importante é a do ministro da Defesa. O general Fernando Azevedo e Silva saiu, ou foi saído, não importa, porque estava insatisfeito, não era ouvido e se recusou a politizar as Forças Armadas.
Como ele mesmo deixou claro em sua nota de despedida, “preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”. Estava incomodado com a necessidade de respaldar formalmente as atitudes do presidente Bolsonaro quando este usava o Exército para suas atividades políticas.
Sentiu-se usado quando, no ano passado, teve que acompanhar o presidente num sobrevoo de helicóptero sobre a multidão reunida nos arredores do Palácio da Alvorada, que pedia ações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.
O general Azevedo e Silva foi assessor direto do ministro Dias Toffoli quando este presidia o Supremo e fez muitas amizades lá durante sua permanência no cargo. Era um canal direto de interlocução com o Judiciário e, também por isso, se desagradava com a permanente ação política dos bolsonaristas contra a instituição. Aquele sobrevoo trouxe-lhe muitos dissabores entre seus comandados, por ter sido entendido como a participação das Forças Armadas nas ações políticas do governo, o que Bolsonaro queria, e ele rejeitava.
A saída do comandante do Exército, general Edson Pujol, tida como certa agora por ser a vontade de Bolsonaro, foi impedida por Azevedo e Silva ainda no ano passado. Por isso, os dois outros comandantes, da Marinha e da Aeronáutica, podem também pedir demissão.
O general Azevedo e Silva segue general de quatro estrelas e é figura importante nas Forças Armadas. Pelos motivos que saiu, mostra que os militares estão comprometidos com o estado democrático de direito, e não será fácil a Bolsonaro usar as Forças Armadas como instrumento político para um possível autogolpe.
Não é uma simples coincidência que, nos dias anteriores, o presidente Bolsonaro tenha se referido diversas vezes a um suposto estado de sítio, que teria sido decretado pelos governadores para combater a pandemia da Covid-19. Bolsonaro estava buscando um pretexto para ele, sim, decretar um estado de exceção para “proteger o povo”.
A decisão do ministro do Supremo Edson Fachin de levar os processos de Lula para a Justiça do Distrito Federal, para que fossem analisados por um juiz de outra jurisdição que não Curitiba, colocou o ex-presidente de volta ao páreo da sucessão de um Bolsonaro atônito com a nova situação. Sonhava em disputar contra o PT, mas nunca diretamente contra Lula.
Ele passou a aumentar as advertências sobre o perigo da volta do PT ao governo, tema sensível aos ouvidos de militares. Mas a falta de receptividade a uma ação desse tipo teria levado a que se irritasse com o ministro da Defesa. Não que tenha havido alguma consulta direta sobre o assunto, mas, nas diversas ocasiões em que comentou o tema, não encontrou eco nos ministro militares, mesmo entre seus assessores diretos no Palácio do Planalto. Nada indica que o general Braga Netto aceite participar de uma ação de exceção, apesar da lealdade ao presidente Bolsonaro. Mesmo que isso acontecesse, não haveria respaldo no Alto-Comando do Exército para um autogolpe.