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Sem disfarces, Bolsonaro se dedica a destruir o país

 

O que o presidente, seus parentes e aderentes têm praticado, contra aqueles que lutam contra a Covid, é uma perseguição política que produz, como resultado, a morte de mais vítimas de verdade. A última dele é que o capitão, expulso do Exército brasileiro por mau comportamento, entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) contra medidas de restrições ambientais tomadas por governos da Bahia, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul. Ele está sempre do lado errado.

Enquanto isso, o presidente foi para as redes sociais fazer palhaçada, a imitar doentes sem ar, num leito de um desses hospitais lotados. Hospitais para os quais ele nunca deu bola, nunca passou nem na porta para visitar as vítimas do vírus ou suas famílias arrasadas pela dor das perdas. O senador Major Olímpio faleceu essa semana, vítima da Covid, e o presidente da República, a quem o político paulista serviu com tanta integridade e respeito de todos, simplesmente o ignorou. Bolsonaro não produziu, por seu parceiro, uma só notinha de jornal ou um texto vagabundo de Twitter. Nem uma Ave Maria, por puro e criminoso rancor.

Como o resto do mundo, estamos em guerra contra o coronavírus. Líderes nacionais com um mínimo de decência têm procurado ajudar uns aos outros, como Joe Biden acertou agora com Canadá e México, fornecendo vacinas de suas cotas. Está bem, cada um faz o que pode. Mas, mesmo sabendo que lutamos como se estivéssemos em guerra, Bolsonaro está se lixando para nossa segurança e nossa sobrevivência, como se lixa para os 12 milhões de infectados. Ele faz questão de anunciar, rindo deles, que não vai fazer nada pelas vítimas ou por suas famílias. O governo assiste à desgraça do país fazendo graça com nossa dor, no aparelho instalado em cômodo seguro de um palácio em Brasília.

Se não podemos chamá-lo de genocida, porque o valentão manda a polícia atrás da gente, como fez com Felipe Neto e os cinco rapazes militantes de Brasília, como chamaremos então alguém que provoca ou pouco se importa com a morte de quase 300 mil pessoas, praticando uma política que o mundo inteiro, à direita e à esquerda, lhe diz todo dia que está errada? Como podemos chamar um narcisista teimoso, um homem mau que dá uma banana para a vida alheia, contanto que seja feita a sua vontade ou sua ausência de vontade, por não se interessar por quem depende dele? Qual é a palavra equivalente a genocida, quando a gente se refere a alguém que quer ver pelas costas um país inteiro de maricas que têm medo de enfrentar a gripezinha? Não temos nada que ficar em casa ou evitar abraços e beijos, muito menos tomar vacina. Afinal, vamos todos morrer um dia. E daí?

Como diz Eduardo Viveiros de Castro, genial pensador brasileiro, às vezes um pouco pessimista: “Só começaremos a enxergar alguma coisa quando não houver mais nada para ver.” Bolsonaro não é mais apenas um genocida. Ele hoje é um assassino reconhecido mundialmente por sua frieza impiedosa. Sempre achei o presidente um horror, mas sempre fui contra seu impeachment. Pensava na agressão que isso seria com a população que o escolheu através do voto democrático. Voto equivocado mas majoritário, o que numa democracia significa quase tudo. Pensava que o país podia não resistir a mais um impedimento de quem fora escolhido por quem tinha esse direito.

Mas agora vejo por pesquisas respeitáveis que ele perdeu ou está perdendo a confiança de seus eleitores. O capitão se dedica, sem disfarce, a destruir o país em que nascemos e onde vivemos, como destruiria qualquer outra nação em que vivesse, se lhe dessem essa oportunidade. Em respeito à maioria de brasileiros que votou nele, procurei entendê-lo e respeitá-lo. Agora, já não sei.

O Globo, 21/03/2021