Assim que os jogos decisivos da noite de quinta-feira acabaram, meu amigo Joca me ligou eufórico para que nos encontrássemos, a fim de celebrar o Brasileirão do Flamengo. Durante a rápida conversa pelo telefone, ele nem se lembrou de que sou torcedor (às vezes até meio exagerado) de outro time carioca. Joca me tratou como se eu estivesse vivendo suas mesmas justas emoções de rubro-negro histórico. Acho que imaginava que o Brasil inteiro, quem sabe o mundo inteiro, estivesse naquele momento se preparando para comemorar a vitória do Flamengo, independente de idade, nacionalidade, raça, cor, religião, estado civil, essas coisas. Independente até de por qual time cada um torcia.
Evitei críticas ao time que admirei tanto no ano passado, na campanha pelo título mundial de clubes. Poupei-lhe minha decepção com o campeonato de tão baixo nível, sem torcida e sem emoção, retrato do futebolzinho vagabundo que se anda jogando por aí. Não falei sobretudo que aquela noite de futebol medíocre consagrara um campeão derrotado que havia acompanhado com tensão os gols anulados do vice-campeão. Dei os parabéns a Joca, disse que estava muito cansado, aceitei o convite mais humano e sem perigo de Covid para o café da manhã no dia seguinte, no quintal de sua casa plantada na Floresta da Tijuca.
Quando acordei no dia seguinte, tive tempo de dar uma olhada nos jornais antes de sair. Observei que em nenhuma foto dos campeões estampada neles, a clássica pose alegremente anárquica ou organizada conforme a posição de cada um, via-se o técnico campeão no meio dos jogadores, ao lado da taça ganha pelos craques enfeitados de medalhas. Como não podia crer que ele, naquele momento tão especial, tivesse precisado ir ao banheiro ou coisa parecida, fui para a casa de Joca pensando no que teria acontecido para provocar a ausência do treinador nas comemorações registradas pela imprensa especializada.
No caminho, lembrei-me de foto que havia visto, na mesma primeira página daquele dia, onde Roberto Castello Branco, demitido da presidência da Petrobras pelo presidente Jair Bolsonaro, anunciava o lucro de cerca de 60 bilhões de reais da empresa, recuperada depois da mão leve praticada em mandatos e governos anteriores. Essa era uma grana muito superior ao esperado pelo famoso mercado que estaria se reaproximando do próprio país através de seus investidores internacionais. Não era propriamente uma goleada cívica, mas era uma exibição valiosa de competência punida pelo gesto do presidente da República, um demolidor de sucessos.
Lembrei-me também da atual campanha agressiva contra a Operação Lava-Jato, praticada por todos os setores do poder público, do Executivo ao Legislativo, do Judiciário aos lobistas sem limites, todos ansiosos por corrigir agora o que sempre foi óbvio: como é que nós, a opinião pública, não impedimos a nomeação escrota do principal juiz da Lava-Jato como ministro da Justiça e da Segurança Pública de um governo que ele, no falso papel de justiça impessoal, ajudou a eleger? O mesmo e tão respeitado ex-ministro que agora aceita ser empregado de uma empresa americana de advocacia e de seus clientes, entre os quais se encontram muitos que ele ajudou a quebrar ou seus semelhantes.
Telefonei pro Joca e dei uma desculpa qualquer. Fui tomar um café sozinho, na primeira padaria que achei na rua.