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A fila anda

 

A desintegração partidária exposta pelas traições em série na recente eleição para a presidência da Câmara provocou uma rebordosa que pode ter consequências profundas na corrida presidencial do próximo ano. Mostrando a resiliência da ressonância nacional da política do Rio, apesar dos pesares, o centro das negociações gira em torno de políticos daqui, como o próprio presidente Bolsonaro, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, o ex-deputado federal Miro Teixeira, o presidenciável Luciano Huck, entre outros.

A decisão de Rodrigo Maia de sair do DEM, sedimentada na entrevista que deu ontem ao jornal “Valor Econômico”, em consequência da vitória dos governistas para a presidência da Câmara e do Senado com dissidências de vários partidos que o apoiavam formalmente, mas não na prática, sobretudo o DEM, teve o condão de destravar uma série de negociações. Maia deve anunciar hoje oficialmente sua saída, mas não seu próximo destino, que pode ser o PSL renovado, livre dos bolsonaristas, ou o PSDB.

O governador João Doria jantou com Maia em São Paulo no domingo e o convidou formalmente para ir para o partido que preside, juntamente com o vice-governador Rodrigo Garcia. Ontem à noite, dando sequência a uma série de ações com que pretende assumir o controle de partido, Doria reuniu as principais lideranças no Palácio dos Bandeirantes para obter a expulsão do deputado federal Aécio Neves — que já tentou uma vez e não conseguiu —, forçando uma definição de maioria que é decisiva para sua campanha presidencial.

A garantia de que Doria realmente controla o partido é fundamental para que Maia possa tomar uma decisão. Doria sabe disso e disse a seus correligionários que somente sem ambiguidades o PSDB será um partido atraente, inclusive para Rodrigo Maia. Outra opção dele é o PSL, partido pelo qual o presidente Bolsonaro se elegeu e do qual saiu litigiosamente, em disputa dos fundos partidário e eleitoral.

O PSL elegeu a segunda maior bancada da Câmara em 2018, por isso tem direito à maior parte da divisão dos fundos, só sendo superado pelo PT. Mesmo perdendo vários integrantes nesses dois anos, especialmente com a saída do grupo de Bolsonaro, o PSL continuará tendo uma fonte de financiamento poderosa para 2022. Esse atrativo permitiria a formação de um novo partido, renomeado (quem sabe “Livres”), sem a presença de remanescentes do bolsonarismo, que poderia ser a base, eventualmente, de uma candidatura de Luciano Huck.

Maia não fala sobre seu futuro, mas o projeto do PSL remodelado, ligado aos movimentos de renovação política dos quais Huck participa, seria um projeto que o agradaria. Mas o fundo partidário também atrai os bolsonaristas, que veem na antiga sigla uma boa plataforma para enfrentar a campanha da reeleição com bala na agulha.

Tudo indica que agradaria mais a Luciano Bivar, que controla o partido, ter Maia como parceiro do que o ex-correligionário presidente. Mas a força de atração do poder eleitoral do presidente ainda pesa em decisões desse tipo. Huck teria a alternativa de filiar-se ao Cidadania, presidido por Roberto Freire, e a possibilidade de uma coligação com partidos como o Verde e o Rede. Será uma questão de balizar sua candidatura mais à direita ou mais à esquerda. Huck, no entanto, não pretende se envolver nessa disputa partidária. Ele continua interessado em debater ideias, defendendo que, no momento, é inócuo discutir legendas.

No campo da esquerda, quem atua com desenvoltura é Ciro Gomes, que ganhou esta semana o retorno do ex-deputado federal Miro Teixeira ao PDT, partido que liderou na Câmara por dez anos. Os dois foram ministros de Lula e estão empenhados em montar um programa que reflita um projeto de desenvolvimento para o país. Miro sugere que o título do livro de Gomes — “O dever da esperança” — poderia até mesmo ser o slogan da campanha, que foi convidado a coordenar pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, ressaltando que a coordenação da campanha sempre é do candidato.

Parece que a oposição está entendendo que, contra políticos personalistas e populistas como Lula e Bolsonaro, só um projeto de futuro pode mobilizar o eleitorado para sair do marasmo em que nos encontramos, depois uma longa enfermidade.

O Globo, 09/02/2021