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Um presidente disfuncional

 
O mais interessante, do ponto de vista político, é a frase de Bolsonaro ao final da declaração em que atestou que o país que governa “está quebrado”. Ele completou assim: “Vão ter que me engolir até o fim de 2022”. Isso mesmo, pelo menos por um ato falho, o presidente já está empenhado em defender seu primeiro mandato, sem falar em reeleição. 
 
Do ponto de vista econômico, é um desastre a fala de botequim do presidente, não apenas pela inadequação técnica, como vários economistas já demonstraram, como pela superficialidade vulgar com que aborda assunto tão delicado. Não, o país não está quebrado, está da mesma maneira de quando Bolsonaro se candidatou a governa-lo, com milhões de promessas não cumpridas no que importa, como privatizações, reformas estruturais. 
 
O que fez com que se elegesse, além do antipetismo, foi conseguir o apoio dos que nunca se aproximariam dele, acenando-lhes com um plano liberal comandado por Paulo Guedes. Se não fosse isso, ele poderia até ter muitos votos, mas os candidatos de centro-direita como Geraldo Alckmin, ou de centro-esquerda, como Ciro Gomes, estariam no páreo com o apoio do empresariado, dos investidores, das classes média e alta nas principais capitais do país. Bolsonaro disputaria o voto do eleitorado radicalizado com o Cabo Daciolo. 
 
Mas a mistura de antipetismo com liberalismo econômico acabou transformando-o em um candidato palatável para grande parte do eleitorado. Guedes, assim como Sergio Moro, achava que realmente teria carta branca para trabalhar. Continua no cargo porque, como ele mesmo diz, salva a República duas ou três vezes por semana. 
 
Promessas feitas em campanha, Bolsonaro só cumpriu as que são do seu interesse, a pauta ideológica e de valores. Liberou o uso e circulação de armas, reforçou os programas militares, combateu até onde pôde as instituições democráticas como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), e agora ataca o Ministério Público, com insinuações que não pode provar de que filho de um procurador estaria envolvido em tráfico internacional de drogas. Também a política do Meio-Ambiente está sendo desmanchada premeditadamente, e a política internacional do país tornou-se uma piada, trabalhando ideologicamente, como o PT fazia quando estava no poder. 
 
Nenhuma medida de reforma da economia foi tomada, a não ser a reforma da Previdência, que já estava pronta desde o governo Temer. Não tem o menor sentido a declaração de Bolsonaro de que o país está quebrado porque a imprensa potencializou a COVID, e ele não pode fazer nada. Primeiro porque não há ciência no mundo que prove que a imprensa tem o poder de potencializar uma pandemia. 200 mil mortos são consequência clara da incúria do presidente pessoalmente, e de seu governo como um todo. 
 
Ele sabia, durante a campanha, que o Brasil estava mal das pernas e fez mil promessas que não pode cumprir, como a atualização do Imposto de Renda. Além do mais, o presidente está aí para enfrentar situações difíceis e dar conta delas. Então porque estar lá e desistir quando se depara com uma crise como a pandemia da COVID-19?   
 
No mundo todo, existem líderes negacionistas como Bolsonaro, mas que aprenderam com a realidade. Donald Trump, que em boa hora está se despedindo da Casa Branca, ídolo do presidente do Brasil, se recusava a usar máscara, mas se rendeu e trabalhou para a vacina. Boris Johnson, no Reino Unido, também. Angela Merkel sempre entendeu a gravidade e está sendo recompensada pelo apoio magnífico na Alemanha. Governadores e candidatos a prefeito que trabalharam contra a COVID-19, ao contrário de menosprezar seu perigo, se deram bem nas recentes eleições.
 
Bolsonaro é incompetente - na economia e nos demais setores do governo, o mais medíocre que já tivemos, talvez comparável ao de Dilma, e está sentado em uma cadeira maior que ele. Mesmo antes da pandemia, a economia brasileira estava num rumo descontrolado, sem projeto que fosse factível. Vamos sofrer as consequências dessa tragédia até 2022, ou antes, se os fatos provocarem um pedido de impeachment. Ele já foi além do que podia ir muitas vezes. Se a economia for no mesmo nível à do ano passado, perderá apoio político no Congresso e na população, e caminhamos para uma crise institucional muito grave. Bolsonaro talvez seja liberado de carregar esse fardo, para o bem do país.
O Globo, 06/01/2021