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Sem, sem

 

Com o fim do auxílio emergencial, cuja última parcela começou a ser paga ontem, poderemos ter uma noção mais clara do fenômeno de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que já chegou a um índice de 40% em setembro, e caiu este mês para 35%, sempre segundo o Ibope. Teremos, além da geração “nem, nem” - nem estuda, nem trabalha - teremos os “sem, sem”- sem emprego e sem auxílio.

O pico de popularidade aconteceu depois do pagamento da quinta parcela de R$ 600, e a queda chegou depois que o auxílio foi cortado pela metade. Mas essa queda ainda deixa Bolsonaro em situação melhor do que há um ano, quando sua popularidade era de 29%, a pior avaliação de um presidente da República no primeiro ano de governo desde 1994. Collor, eleito na primeira eleição direta do país depois do golpe militar, teve aprovação pior no primeiro ano de mandato.

Entre os cidadãos mais pobres o auxílio emergencial mostrou-se resiliente, com a aprovação dos eleitores com renda familiar até um salário mínimo subindo de 19%, em dezembro de 2019, para 35% na pesquisa de setembro, o que levou seu índice de avaliação positiva para 40% naquela ocasião. Os eleitores com menor grau de instrução deram um aumento consistente da popularidade do presidente.

Entre os com até a oitava série do ensino fundamental, a avaliação de ótimo ou bom foi de 25% para 44%, enquanto entre os pesquisados com até a quarta série cursada a aprovação subiu de 26% para 40%. Esses índices, porém, caíram nos últimos três meses, justamente quando o auxílio foi reduzido.

O fim das medidas extraordinárias que o governo decretou para combater a pandemia da COVID-19, que levaram o déficit do país a se elevar para cerca de R$ 700 bilhões, terá um impacto político presumivelmente grande para o presidente Bolsonaro, com consequências sociais graves. Já temos 14 milhões de desempregados, com mais os cerca de 40 milhões que deixarão de receber o auxílio, teremos em janeiro uma situação social muito delicada no país. Os inscritos no Bolsa Família continuarão a receber o beneficio, que não será aumentado como chegou a anunciar o governo.

Com a economia que não sai do lugar, e a inflação aumentando, chegamos a uma combinação que pode ser explosiva. O problema é maior porque o governo está quebrado, não tem condições de manter o equilíbrio fiscal e voltar a pagar o auxílio emergencial, sem romper o teto de gastos. Depois que os governadores pressionaram o governo para que estendesse o auxílio emergencial por mais tempo, enquanto a pandemia persistir, a equipe econômica soltou uma nota ontem afirmando que não haverá prorrogação.

A pandemia não acaba, aumenta o número de mortes e de infectados, e o governo está atrasadíssimo com a vacinação. Ainda não entendeu que a vacinação massiva da população é que dará condição à economia de retomar um patamar de crescimento. Seria injusto dizer que o ministro da Economia Paulo Guedes não entendeu essa equação simples, mas ele já não tem o poder de decisão que presumia ter no inicio do governo.

Resta-lhe gastar a oratória farta para fora do governo, tentando criar situações favoráveis a seus pontos de vista. A nota oficial de ontem foi um exemplo dessa tentativa de barrar os governadores antes que eles convencessem o presidente a estender o auxilio emergencial. 

Não quer dizer que Bolsonaro não possa mudar de ideia a qualquer momento, se farejar que os índices de popularidade cairão mais ainda a partir de janeiro. Enquanto não pode usar o Tesouro a seu favor, o presidente tenta tergiversar, provocando polêmicas que desviem a atenção de seus fracassos, o maior deles a vacinação que já teve início em vários países vizinhos, até mesmo na Argentina, aqui do lado.

Quando se referiu ironicamente à tortura sofrida pela ex-presidente Dilma, pedindo um exame que prove as sequelas, Bolsonaro nada mais faz do que incensar seus apoiadores mais exaltados, mantendo aberta a porta da radicalização que já foi seu apoio político nos tempos em que pretendia dar um auto-golpe. Até jogar futebol, com direito a transmissão pela televisão estatal, Bolsonaro fez.

Quando diz que votaria até em Lula, mas nunca em João Doria, está ao mesmo tempo revelando o desejo in pectore de tê-lo como candidato, mas também deixa transparecer que seu verdadeiro adversário até o momento é Dória ou Moro, que também vem sendo atacado pelo ministro da Justiça mais submisso dos últimos tempos.

O Globo, 30/12/2020