Joca, meu amigo que mora nos altos do Rio, numa casa cercada por trecho preservado da Mata Atlântica, me telefonou outro dia. Me preparei para aceitar mais um convite para fim de semana no meio do mato, almoçando o que ele mesmo cozinha (Joca é especialista em peixe). Mas havia na voz de meu amigo um certo pânico, vi logo que não se tratava de nada divertido.
Com estardalhaço e a certeza de que estava sendo injustamente prejudicado, Joca desabafou, antes mesmo de um boa-noite regulamentar: ele havia assistido a um programa culto da televisão em que se dizia que o macaco-prego tinha o hábito de devorar o caule das palmas. E Joca sabia, por informação de um desses ecologistas palpiteiros que o frequentavam, que era justamente pelo caule que as palmas se multiplicavam. Como o que mais havia no mato em torno de sua casa eram macacos daquela família, tão numerosos quanto vorazes, Joca entrara em pânico. Se a notícia se confirmasse, a casa, passado algum tempo, poderia se tornar uma ilha de barro cercada de mato seco sem graça, por terrenos baldios sem verde algum.
Eu ia lhe dizer que, mesmo que por absurdo viesse a perder para sempre as palmas da vizinhança, lhe sobrariam folhas e flores, plantas e árvores, verdes infindáveis no entorno da propriedade. Não lhe faltariam mato e bichos de toda espécie para viver nele. Mas, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Joca adivinhou a direção de meu discurso em construção e berrou que ia ler em voz alta, no seu celular, cópia do que eu havia escrito há umas semanas na coluna, depois de um almoço ao ar livre em sua casa.
Fora de si, Joca me anunciou que ia ler o final de meu artigo. Ele aumentou o volume da voz e leu sem respirar, sem respeitar pontos e vírgulas: “Os bichos andam sempre em grupos homogêneos sem a participação indesejável dos que são diferentes. Foi o ser humano que inventou a solidariedade e somente nós a praticamos sobre a face da Terra. Se não a praticássemos, a natureza se reduziria a uma constante guerra entre todos, pelo melhor abrigo e alimento”. Joca suspirou e completou a leitura: “Por que temos que nos submeter ao mal natural, se podemos inventar outro mundo, a partir de um pensamento solidário?”.
A caminho de sua casa, meu celular tocou e Renata atendeu. Era ele. Depois de ouvi-lo, Renata, divertindo-se muito, ligou o viva-voz para que eu também ouvisse o que ele dissera: “Diga a ele para não se esquecer de trazer o raio X, que é pra gente ver o calo ósseo”. Eu ainda ria de seu inesperado humor negro, quando Joca retomou o tom anterior da conversa. “Que sujeitinho, né não? Esse cara não consegue dizer nada que seja construtivo, nada que nos ajude a viver”. Imediata e peremptoriamente, Renata respondeu por mim e por ela: “É isso aí, Joca. É isso mesmo”.