Não se pode deixar de reconhecer que, vítimas de um equívoco, fomos meio largados no mundo por quem financiou a nossa “descoberta”. Nos primeiros anos depois de Cabral, os reis de Portugal nos ignoraram, mais preocupados com o fim da Inquisição que os havia tornado decisivos nos costumes da Idade Média europeia, encerrada com os huguenotes de Lutero e Calvino na fogueira.
Fomos colonizados por pés-rapados, valentes aventureiros, sonhadores que não tinham nada a ver com a tensa elite lusitana. Queriam era atravessar o Mar Tenebroso e chegar ao Novo Mundo para começar vida nova em nome de Cristo e do futuro financeiro da família. Só pensavam em encontrar terras cultiváveis, madeiras de valor como o pau-brasil, escravos indígenas a mancheias, valores que os tornariam quem sabe até festejados pela sociedade europeia que respirava uma Renascença iluminista, os novos tempos.
Com a Independência e o Império dos dois Pedros, depois que, em 1808, dom João VI fugira de Lisboa com amigos e familiares para não ter que enfrentar a ocupação francesa de Napoleão Bonaparte, o Brasil foi obrigado a descobrir (ou a escolher) quem era. O príncipe fujão criara o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com capital no Rio de Janeiro, e foi daí que, preocupados com o futuro, começamos a construir nosso passado. Um passado de fantasias, criado por intelectuais e artistas submetidos às ideias do imperador.
Dom Pedro II encomendara a Victor Meirelles a tela que se tornou famosa e popular da “Primeira Missa no Brasil”, uma espécie de nascimento do Brasil (ou o Natal do menino Brasil), concluída em Paris. No quadro, a chegada dos europeus à Bahia era um amável encontro de raças e costumes. Nada mais distante das invasões bárbaras do século XVI e dos genocídios que então passaram a ocorrer. A outro jovem, Pedro Américo, o imperador encomendara outra tela, igualmente popular e famosa, a reprodução do Grito de Independência protagonizado pelo pai do produtor, dom Pedro I. Nada do que está ali corresponde ao que de fato acontecera, Pedro Américo apenas copiava a grandeza e o espírito de exaltação de uma tela de Ernest Meissonier, pintor na moda, em homenagem a Napoleão Bonaparte e seu exército.
O Brasil não gosta de seu passado, e sempre achamos que não temos direito a futuro nenhum. Para disfarçar, mentimos alegremente sobre o que somos e o que queremos ser. Nunca fomos o paraíso anunciado, enganamos todo mundo com pandeiros, palmeiras e sabiás, com nossos carnavais. Como Pigafetta, viajante italiano que, em 1519, enquanto a corte lisboeta se distraía queimando protestantes, informava que os brasileiros viviam até os 140 anos.
Subestimado durante quase todo o seu primeiro século de vida, o Brasil foi inventado por caçadores de homens (que escravizavam os índios), um exército de exterminadores (que saqueavam a terra), um padre gago (Manoel da Nóbrega) e outro meio cínico (José de Anchieta), além de famílias como os Sás e os Souzas. Como o que interessa é o presente, e este é a consequência do passado concreto e do futuro que sonhamos, ainda é preciso perder as ilusões para entender o Brasil de hoje.