A premiação da produção sul-coreana “Parasita”, Oscar de melhor filme no ano passado, foi o primeiro clímax de um processo de internacionalização, democratização e atenção à qualidade pelo qual esse troféu está passando. Criado em 1927, simultâneo à fundação da própria Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS, na sigla em inglês), o Oscar foi uma ideia de Louis B. Mayer e uma obra de Cedric Gibbons, diretor de arte nos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer. Mas só em maio de 1929 ocorreu a primeira entrega do prêmio aos melhores desempenhos nos filmes americanos dos dois anos anteriores.
Naquele ano inaugural, votavam apenas os 36 membros da Academia, que premiaram naturalmente os filmes e os protagonistas com que o público americano mais havia se identificado em seu lançamento, aqueles que colaboraram com o crescimento dessa indústria em 1927 e 28. Hoje são 5.835 membros eleitores da AMPAS, número que, de 2012 para cá, cresce regularmente com os novos convites de adesão feitos a cineastas, intérpretes e técnicos de cinema de todo o mundo. Com uma atenção muito especial a não caucasianos (segundo uma apuração feita pelo “Los Angeles Times”, os brancos até recentemente eram 94% dos membros da Academia), dando preferência ao gênero feminino (77% eram homens) e aos abaixo de 60 anos de idade (54%, até aqui, eram sexagenários).
A Academia estendeu a participação dessas pessoas por meio de convites feitos diretamente a gente do cinema de todo o mundo. Só no Brasil, esses novos membros já são mais de três dezenas. A partir do ano passado, a Academia também eliminou o Oscar para melhor filme estrangeiro, transformando-o em “filme internacional”. Não se trata mais de premiar um “filme de fora”, mas de reconhecer o valor e a qualidade de um filme que não foi feito em Hollywood. Podemos dizer que, hoje, o Oscar não é mais uma festa de blockbusters, da qual só temos como participar sentados numa poltrona, diante da televisão. Se a Academia seguir nesse rumo em que foi colocada por novos e jovens dirigentes, diretores de fotografia e espertos editores, seus prêmios anuais serão, cada vez mais, um estímulo à celebração do cinema como um elemento decisivo do entendimento universal.
O que mais deve ter atrapalhado a vida dos membros dessa comissão é a diversidade com qualidade dos filmes que foram submetidos à seleção. Acho que não vi nem metade deles; mas o que vi, e adivinho no que não vi, só pode nos encher de muito orgulho. O filme finalmente escolhido foi “Babenco: alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou”, um documentário sobre o amor ao cinema, o amor ao próximo, o amor ao amor, dirigido por Bárbara Paz.
A primeira entrega de prêmios pela AMPAS se deu em maio de 1929, no Hotel Roosevelt, bem pertinho de onde hoje se entregam os Oscars. Dizem, aliás, que a estatueta ganhou esse nome de guerra porque, quando Cedric Gibbons mostrou a primeira prova ao pessoal da Academia, uma secretária achou-a muito parecida com seu tio Oscar. Como a estatueta não tinha mesmo nome algum, todo mundo começou a chamá-la assim desse jeito. Com a nova política da Academia, uma política modernizadora e democratizante, reconhecendo que o cinema não é um fenômeno estritamente hollywoodiano, já podemos torcer, sem culpa, para que Bárbara Paz traga para cá essa reprodução do tio da secretária. E que o grande Hector Babenco, um dos maiores cineastas brasileiros (sim, brasileiro, que foi o que ele sempre quis ser) de sua geração e de sempre, ajude Bárbara de onde estiver.