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Vidas negras e Bolsonaro

 

Para Bolsonaro, vidas negras não importam ou importam pouco. Sabia-se disso desde quando, em abril de 2017, ele lembrou sua visita a um quilombo. Eis alguns trechos esquecidos do seu relato na Hebraica Rio: “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.

Esse desprezo pelo gênero humano, apenas por serem negros, levou a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a pedir ao Supremo a condenação do autor a três anos de prisão e multa de R$ 400 mil pelos crimes de racismo contra quilombolas, aos quais se referia empregando a palavra arroba como se fossem animais.

A defesa de Bolsonaro alegou que as declarações racistas do então deputado e candidato à Presidência da República “expressaram sua opinião, (foram) proferidas no exercício da função e estavam acobertadas pela imunidade parlamentar”. Não adiantou argumentar que os trechos do discurso inseridos na denúncia eram suficientes para demonstrar “a prática, a indução e a incitação de discriminação e preconceito a uma plateia com mais de 300 ouvintes”.

“Esta manifestação, inaceitável”, acrescentava a procuradora, “alinha-se ao regime da escravidão, em que negros eram tratados como mera mercadoria, e à ideia de desigualdade entre seres humanos, o que é absolutamente refutado pela Constituição brasileira e por todos os Tratados e Convenções Internacionais de que o Brasil é signatário”.

Agora, o presidente Bolsonaro afirma que “há quem queira colocar, no lugar da diversidade, o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de luta por justiça”.

Na reunião da cúpula do G-20, ele conseguiu esconder um caso que comoveu o país e repercutiu no mundo: o assassinato de João Alberto,um negro de 40 anos, espancado até a morte por seguranças brancos no Carrefour de Porto Alegre.

O negacionismo do presidente e do vice, mentindo descaradamente sobre os fatos e a realidade, chegou ao ridículo em falas como a de que “tensões raciais são alheias à História do Brasil”. No país dos dois, 74% das vítimas de homicídio são negros, mas eles acham que, assim como a Terra é plana, racismo não existe.
O Globo, 25/11/2020