À memória de Paul Albert Simon
Filosofia natural e metafísica alcançam uma temperatura elevada, longe de uma paz meramente lunar.
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Descartes foi menos cartesiano do que se diz. Se O discurso e as Meditações não formam conjuntos biunívocos, traduzem, a seu modo, uma dinâmica especular de autocorreção.
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Da filosofia natural para a metafísica. Ou em sentido inverso. O mecanicismo narrado pelo viés transcendente.
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A extensão como infinito rompe o contrato sistêmico da filosofia medieval. Deus e o mundo. O Infinito gera infinito.
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Plano cartesiano. Diálogo entre civilizações: a geometria grega e a álgebra da tradição árabe. Uma das mais belas conquistas. Espaço que abrigou, pouco depois, os números complexos e imaginários. E não fechou as portas para as formas não-euclidianas. Plano cartesiano, como vasto projeto cultural.
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A dúvida hiperbólica atua, em segundo plano, na defesa do argumento ontológico. Deus não depende da matemática, poderia não ter criado o mundo, ou determinar que os raios do círculo fossem desiguais.
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Afasta-se das doutrinas recorrentes das duas verdades, mas deixa rugas na superfície polida e ascensional das ideias platônicas. Melhor: as ideias-número do Demiurgo, em seu límpido alfabeto, desata algum ruído.
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Cheguei aos vinte anos à terceira meditação cartesiana. O coração batia forte. Apressando a leitura rumo às conclusões. Ao mesmo tempo em que corria, precisava voltar à página anterior, porque saltara as mediações.
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Descartes entendera a mudança de paradigma da relação da ciência com a filosofia. Veja-se a carta de 1633 a Mersenne sobre Galileu. Impressiona tamanha serenidade.
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Qual a fonte da perfeição, enquanto ideia, senão a existência, a passagem da potência para o ato?
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Não exatamente Aristóteles, mas um híbrido cartesiano, ensaiando as modulações da ratio platônica.
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A teologia cartesiana passa do Ato puro tomista para o ato híbrido, vago e aberto. Ato impuro.