O Brasil está perigosamente normalizando atividades ilegais, e o caso do encontro que o presidente Bolsonaro teve com advogadas de seu filho Flávio para receber uma denúncia contra a Receita Federal é apenas a mais recente revelação, e não a menos grave.
O presidente participou de uma reunião, em 25 de agosto, no seu gabinete do Palácio do Planalto, com as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, que apresentaram um dossiê sobre “irregularidades das informações constantes de Relatórios de Investigação Fiscal” sobre o senador.
A nova tentativa de anular as investigações sobre o esquema de desvio de dinheiro público, conhecido como “rachadinha”, em seu gabinete quando era deputado estadual foi feita fora da agenda, e só foi revelada porque a revista “Época” a descobriu.
Por essa nova versão, um grupo de fiscais da Receita Federal usou de meios ilegais para fornecer informações sobre as contas do hoje senador Flávio Bolsonaro aos órgãos de fiscalização como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) — o que, se confirmado, feriria de morte as acusações contra ele.
A explicação para tamanha irregularidade é que o assunto envolve integrante da família presidencial, o que merece análise dos órgãos de segurança, especialmente o GSI, que cuida da segurança pessoal do presidente e sua família. Tal justificativa é de uma banalidade tão grande que, revelado o encontro, o GSI divulgou uma nota afirmando que “à luz do que nos foi apresentado, o que poderia parecer um assunto de segurança institucional configurou-se como um tema, tratado no âmbito da Corregedoria da Receita Federal, de cunho interno daquele órgão e já judicializado”. A nota do GSI concluiu: “Diante disso, o GSI não realizou qualquer ação decorrente. Entendeu que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”. Como se bastasse uma explicação burocrática para tamanha irregularidade.
Um presidente da República utilizar os órgãos de segurança a favor de um filho seu que é investigado por corrupção é ato gravíssimo, que precisa ser apurado e pode resultar em impeachment. No caso, apenas em tese, porque o centrão no momento está bem aquinhoado e não dará a maioria necessária.
O caso é agravado por haver uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a denúncia do ex-ministro da Justiça Sergio Moro a respeito da interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal justamente para proteger seu filho das investigações. O ministro Alexandre de Moraes herdou o processo do ministro aposentado Celso de Mello e agora tem sob seus cuidados três processos que convergem.
Os das fake news e das manifestações antidemocráticas, organizadas pelo chamado “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto, são próximos entre si, e agora o da interferência na Polícia Federal, com as novas informações que devem ser anexadas, pode demonstrar que o governo se aproveita de sua estrutura e poder para defender interesses próprios, sejam pessoais ou eleitorais.
Já há diversos pedidos de políticos, como o deputado federal Alessandro Molon, do PSB, e o senador da Rede Randolfe Rodrigues, pela atuação da Procuradoria-Geral da República e do próprio STF nesse caso revelado pela “Época”, num momento em que Bolsonaro volta a assumir posições agressivas contra a Justiça. Ao afirmar que não é possível um juiz determinar que a vacinação contra a Covid-19 seja obrigatória, Bolsonaro está claramente pressionando o Supremo, que deve tratar do tema em breve.
Há indicações de que a maioria do STF é a favor da obrigatoriedade da vacinação, por uma questão de segurança sanitária. O presidente volta a usar sua força nas mídias sociais para jogar seus seguidores contra o Supremo, o que não deu resultado das outras vezes.