Ainda hoje, a história da gastroenterologia debate o caso que assombrou especialistas. Porque ele passou a fazer parte dos anais científicos. Jamais se viu coisa igual. Curioso, anômalo, singular. Tudo começou em calma madrugada, durante a pandemia de coronavírus. Um senador terrivelmente medíocre, mas unha e carne com o presidente da nação, sentiu cólicas intestinais tenebrosas. Foi ao banheiro, nada. As dores aumentaram. Chamaram o Sistema Popular de Medicina, do qual aliás o senador tinha desviado Himalaias de verbas, uma vez que tinha se formado nas melhores universidades do ramo, as cariocas, e o político foi levado ao hospital para uma lavagem ou enema ou clister.
Dinheiro. Dinheiro vivo jorrava. Cédulas e cédulas do mais alto valor que a nação hoje fabrica. As lindas notas de 200 reais com o lobo-guará. Foi a primeira vez que aquele corpo científico viu uma nota de 200. Estavam em circulação, porém ninguém as tinha recebido. Havia filas quilométricas nos bancos e caixas eletrônicos tentando pegar alguma. Mas eram mais inacessíveis que o pagamento emergencial para a covid. A coisa parecia reviver a galinha dos ovos de ouro. Ou tinha-se a sensação que o rei Midas da Frigia, levado pelo gênio da garrafa, Wassef, escondia-se na barriga do senador.
Decidiram que, antes que o ministro da Economia soubesse e criasse novo imposto, que não ia cheirar bem, correram e depositaram tudo em nome de uma organização social. A imprensa repercutiu. O nome do senador – político do clero subterrâneo – viralizou, ele foi celebrado pelos seus pares e eleito presidente do Senado. Motivo: fenômeno da ciência, estudado por revistas como a Lancet, o Journal of Organic Chemistry, Annual Reviews, Nature Science, New England Journal of Medicine.
Prêmios Nobel de Medicina e Ciência foram chamados. Vieram, avaliaram e disseram que era assunto para escritores como Gabriel García Márquez e Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Sergio Abranches, Antonio Torres, Alberto Mussa e Loyola Brandão, ou historiadores como Lira Neto e Heloisa Starling. Márquez já morreu, os outros não deram retorno. Todos senadores, parlamentares, ministros, políticos, o Centrão inteiro, o trio O1, O2, O3 procuraram o senador a fim de que ele revelasse a fórmula do que comia e se tornava dinheiro vivo. Modesto, ele confessou: “nada mais do que o frugal, o mesmo que o Supremo come, lagosta, caviar, faisão, escargô, patê da campagne, foie gras chaud, presunto Pata Negra, javalis da Pomerânia”.
A vida do senador passou a ser um agito. Fêrvo, como se diz em Araraquara. Todos se postaram à porta do seu banheiro, para ver o que tinha sido produzido. A família não aguentava mais a pressão, não havia sossego. Pastores de mil religiões exigiam sua presença a fim de relatar o que consideravam milagre de Deus. Passou a receber boletos exigindo pagamento do dízimo. A Receita Federal revisou suas declarações, viu que ele jamais declarou o que evacuava, foi processado, multado. Não suportando mais, o senador pediu habeas corpus ao Supremo e sumiu. Como o traficante André do Rap. Igual ao Queiroz, protegido por Wassef, o bom samaritano.
Este episódio entrou para os Anais da Medicina. Filólogos, etimologistas e gramáticos admitem que a palavra Anais nunca foi tão apropriada.